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O MISTÉRIO DE UM PARAÍSO PERDIDO

Diretor argentino radicado em Alagoas estreia documentário finalizado durante a pandemia e que explora a beleza mística da Ilha da Crôa

Por Maria Clara Araújo* | Edição do dia 06/05/2020

Matéria atualizada em 06/05/2020 às 06h00

Foto: Divulgação
  

A história de um ilha que afundou, 30 anos atrás, e que caiu no esquecimento dos turistas é retratada no documentário “Ilha da Crôa - paraíso perdido”, do argentino Eloy González. As histórias e suposições sobre o que aconteceu com a ilha perduram até hoje e mergulham em ideias supersticiosas, como uma que supõe que bruxas teriam transformado a ilha em água. Teorias mais “céticas”, como a de que o aquecimento global e o desmatamento seriam as causas, também são expostas no filme, já disponível nas plataformas digitais.


Eloy González é um diretor argentino radicado em Alagoas, e que estudou cinema com Raúl Perrone, além de ter estudado música com Carmen Balieiro e teatro com Norman Brisky e Nora Moseinco. Estreou nas artes com a obra teatral pouco conhecida, do pintor Pablo Picasso, “O desejo pego pelo rabo”, nos anos 2000. Entre seus projetos, se está o Necrodrama, um projeto do teatro documental sobre a morte de jovens, que lança provocações no campo teatral. O diretor escolheu a Barra de Santo Antônio para virar seu lar e, desde então, vem produzindo bastante material sobre a região.


Em maio de 2017, Eloy González, com o apoio do capitão grego Nikolas Zacharopoulos, lançou o filme Diamantis. O longa é uma mistura da realidade com a ficção e foi rodado na Ilha da Crôa, no município da Barra de Santo Antônio. O filme narra a aventura de três estrangeiros, com diversos enredos que não se cruzam. O primeiro deles é de um empresário estressado com o capitalismo e que, para esfriar a cabeça, decide vir da Grécia para o Brasil. Já a segunda narrativa fala de dois jovens argentinos que viajam de bicicleta por terras brasileiras até chegarem às terras litorâneas de Alagoas. Lá, descobrem sobre o candomblé e suas histórias. A última narrativa do longa, traz em partes um pouco do próprio Eloy.


Em relação ao filme Diamantis, o diretor pensa em escrever uma segunda parte do roteiro de ficção, focando desta vez na relação entre religião e tráfico de drogas, misturando estes dois universos completamente opostos. “A ideia é fazer uma ficção onde esses dois mundos se misturam, o da religião e do tráficos de drogas, que foi uma das coisas que mais gostaram do filme e eu acho mais interessante transitar por esses mundos tão diferentes e parecidos ao mesmo tempo”, explica Eloy.

Foto: Divulgação
 



Depois da produção de Diamantis, o argentino conta sobre sua vontade de retratar de uma forma mais real seu olhar sobre a ilha e sobre as pessoas que nela habitam. A Ilha da Crôa, além da sua beleza natural, se caracteriza pela personalidade especial de seus moradores, que somente pouco tempo atrás entraram em contato com a evolução sociocultural e tecnológica. A partir disso, Eloy decidiu retratar esse ar genuíno das pessoas da ilha para o seu documentário.


O argentino se deparou com histórias um tanto quanto absurdas sobre a ilha, mas que valiam a pena explorar. Por exemplo, a história de que a verdadeira “Ilha da Crôa” foi afundada no meio do mar 30 anos atrás. Para alguns, o que causou o desaparecimento da ilha foi o desmatamento em conjunto com o efeito estufa e produto da queima de cana-de- açúcar; já para os mais velhos, foram as bruxas que moravam na Ilha da Crôa as responsáveis pelo afundamento da mesma.


“Comecei a entrevistar pessoas simples, mas que tinham muito para falar, algumas delas são pessoas que a sociedade discrimina e põem para baixo do tapete, seja pelo consumo de álcool, pela situação econômica ou até mesmo pela idade avançada. Nas entrevistas percebi que essas pessoas têm uma sensibilidade muito grande. Através do olhar dos moradores podemos ver uma crítica que começa numa pequena ilha e termina a nível mundial”, diz o diretor.


O documentário foi concluído durante a pandemia do novo coronavírus, o que, para Eloy, deixou a produção do filme ainda mais especial. “Trabalhar durante a pandemia foi um momento muito especial, pareceu um pouco atemporal e apocalíptico. A montagem foi realizada no dia a dia, quando precisava de planos ou cenas novas a gente ia procurar e colocar no filme, então é bem atual”, afirma Eloy.

Foto: Divulgação
 



Sete meses após o lançamento de Diamantis, Eloy conseguiu tirar do papel o Cinema Ilha da Crôa. Foi necessário que Eloy percorresse todos os quilômetros que separam Argentina de Alagoas, para que a pequena cidade da Barra de Santo Antônio ganhasse seu primeiro centro cultural. O centro funcionou por alguns anos, até ser fechado. Quando ainda era aberto, várias apresentações de filmes locais foram feitas, assim como festas artísticas, com apoio de músicos da região e até mesmo eventos ligados ao esporte. Todos esses eventos eram de graça e contavam com a ajuda de pequenos comerciantes.


Segundo Eloy, o que levou o Cinema Ilha da Crôa a fechar suas portas foi a combinação errada de arte e política. Houve divergências quanto aos eventos organizados pelos políticos da região, causando uma fragmentação entre o povo e cultura.


“Infelizmente a maioria do povo não quer saber de filmes ou de teatro, quer saber de cerveja. Isso é muito triste porque poderia ser feito os dois, a arte e a festa. Só que pela política ficava fragmentado, dividido, nas pequenas cidades os eventos tem que ser só um, não tem como fazer muitas coisas no mesmo dia como nas grandes cidades. As autoridades não incentivam a população para estas atividade diferentes e, então, a cultura aqui termina sendo somente as festas juninas, o carnaval e os eventos religiosos. A cultura aqui é muito complicada”, lamenta o diretor.


Sobre seus próximos trabalhos, Eloy diz estar trabalhando em uma série de ficção, para a Argentina, sobre seu projeto Necrodrama, que fala sobre a morte de pessoas jovens. Com aguardado fim da quarentena, o argentino vai até Buenos Aires apresentar um livro sobre suas produções e sobre mais de 20 peças realizadas sobre o Necrodrama, entre os anos de 2007 e 2011.


Em um espaço como é Alagoas, e perceptível a grande falha no incentivo a cultura, um setor que vem enfrentando uma grande crise por alguns anos e que apenas se intensificou com a pandemia e isolamento social.

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“O pouco incentivo econômico e educativo das autoridades junto com as igrejas, fazem um combo praticamente impossível de superar. Fazer diferentes tipos de artes e que o público consuma, como teatro, cinema, ópera, dança e música, focados no experimental e contemporâneo, é um sonho. Estamos vivendo um momento histórico muito forte, quando os artistas têm que compartilhar arte e o nosso pensamento livremente, para abrir as cabeças da população”, conclui Eloy.


O documentário Ilha da Crôa está disponível no site da produtora www.colobomafilms.com e durante a quarentena também estará disponível no YouTube. Depois será enviado para diferentes festivais de cinema.


*Sob supervisão da editoria de Cultura

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