Como e durmo/ Como e durmo/ Como e durmo/ Leio às vezes/ Más notícias…/ Um romance.../ E rabisco/ Tal poesia/ Sem nuance/ Mais cilada/ E alegria/ Que fazer/ Qualquer coisa/ Alivia. - O poema que revela mais um dia de isolamento social do poeta alagoano Fernando Fiúza, também sugere que a pandemia do novo coronavírus deve repercutir na literatura alagoana. Não só agora, mas no almejado depois.
Em casa a mais tempo do que gostaria, o metódico Fernando Fiúza usa o tempo em fartura para escrever e compartilhar seus “coronaversos” com os leitores nas redes sociais. Não é novidade que essas crônicas feitas poesias, com linguagem rápida e sintética, sejam exploradas por ele. “Mas de forma sistemática, como essa série, só agora”.
“A musa resolveu me visitar com mais frequência, o que é raro depois dos cinquenta, desde a primavera do ano passado. Com a chegada do confinamento, desse longo pesadelo, esse impulso se dirigiu para o momento de exceção que vivemos. Desde o primeiro poema sobre o assunto dei o nome à série, porque saquei que não era um poema isolado, de “Coronaversos”. E tenho podido dedicar um bom tempo de meu dia a eles porque as aulas estão suspensas”, conta.
Fernando Fiúza é professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e um dos expoentes da literatura contemporânea no estado. Publicou o primeiro livro (O Vazio e a Rocha) em 1992 e somente 12 anos depois a obra ganhou um sucessor. No entanto, depois do hiato, Fiúza publica um livro quase que anualmente. É autor de seis obras poéticas, entre elas, Outdó (2012) e Sonetos Impuros (2015), sucessos editoriais da Imprensa Oficial Graciliano Ramos.
No final do ano passado, quando lançava Livramento (2019), sua obra mais recente, o escritor disse à Gazeta de Alagoas que escrevia “para viver”. Citando o poeta mineiro Murilo Mendes, Fiúza também disse que “a poesia sopra quando quer”. E a poesia tem lhe soprado “coronaversos” diariamente, mas escrevê-los somente minora a necessidade, segundo ele, mas o versos não devem virar livro.
“Não, isto sei desde o início, pois não haverá um livro físico ‘Coronaversos’. Ele ficará nas minhas páginas virtuais, não vou apagá-lo, porque nunca se sabe da curiosidade dos leitores. Tenho plena consciência de sua temporalidade. É uma forma de ficar ainda mais próximo de meus amigos artistas de palco, por quem tenho a maior admiração.”
Provocado sobre o impacto do isolamento na produção literária, ele afirma ser uma obviedade dizer que a literatura de qualquer lugar do mundo será afetada pela pandemia. Porém, acredita que o produto de um momento tão inédito e trágico pode demorar a reverberar, já que a literatura não é uma arte imediata, como o teatro e a música ao vivo.
“Não tenho lido autores alagoanos escrevendo sobre o assunto. Talvez não esteja a par, mas aqueles que conheço não têm explorado o assunto com frequência. Compreendo-os. Nem sempre o momento presente é um bom motivo de poesia. Sei que sou uma exceção e que esta série é de poemas de circunstância. Talvez jamais sejam publicados em livro de papel. Mas estou curtindo o imediato, a poesia como crônica. É uma experimentação.”
VERSOS ATRAVESSADOS
Se não escrevem exatamente sobre a pandemia, poetas alagoanos relatam que o assunto atravessa os versos. Dois nomes da nova geração de escritores de Alagoas, Lucas Litrento e Natasha Tinet, relatam que a influência do isolamento na produção literária é real, mas que eles não foram levados a escrever precisamente sobre pandemia, vírus, etc. Ambos garantem, no entanto, que a produção está em alta.
“O começo da quarentena foi bastante produtivo, comecei um novo livro de poesia, estava indo bem até ver que a quarentena ia além dos 40 dias. A ansiedade bateu e eu não estava conseguindo nem escrever, nem ler, fiquei trabalhando somente com ilustração. O impacto do isolamento na minha rotina não foi tão grande porque trabalho em casa, a falta de perspectiva diante da pandemia foi o que doeu e o que dói, muitos projetos interrompidos por isso. Mas voltei a escrever apesar de tudo. ‘Escrever apesar de’, é quase um lema”, afirma Natasha Tinet, segundo lugar no Prêmio Literário Biblioteca Nacional 2019, na categoria poesia.
Apesar de considerar mais do que a pandemia na hora de escrever, a poeta acredita que a “peste” irá influenciar por um longo período escritores e escritoras de Alagoas.
“Em Maceió, por exemplo, além da situação da pandemia da Covid-19, há o caso do afundamento do bairro Pinheiro e dos bairros ao redor. Pessoas perdendo suas casas enquanto o isolamento domiciliar é essencial. Esse contexto segura uma ficção que poderia ser literatura fantástica se não fosse tão real”, lamenta.
Para o escritor Lucas Litrento, o isolamento já era uma realidade no dia a dia de muitos artistas. Porém, o momento de medo e tragédia acentuados acaba influenciando de alguma maneira na produção.
“Porque os temas diretos decorrentes da pandemia vão se atravessando na escrita, então existem essas referências e influências”, diz.
Mas acrescenta que outras questões também têm atravessado seus versos.
“Eu ando lendo sobre coisas que também estão acontecendo [além da pandemia], estudando muito sobre negritude, até influenciado pelos acontecimentos. Eu ando escrevendo sobre isso também, colocando em pauta as pautas políticas e antirracistas, que é uma coisa que eu faço desde sempre, não somente agora em que muitas pessoas se dizem antirracistas só porque está na moda ou é a pauta no momento”, finaliza.