Gazeta de Alagoas
Pesquise na Gazeta
Maceió,
Nº 0
Caderno B

A ESCOLHIDA

ESTREIAS: ‘A Escolhida’ tenta emplacar fervor de ‘Corra!’ em mais um terror que tem o racismo como pano de fundo;

Por Benedito Lima | Edição do dia 29/10/2020

Matéria atualizada em 29/10/2020 às 08h29

Aguardado pela crítica e por uma boa parte do público, o longa “Antebellum”, que no Brasil recebeu o nome de “A Escolhida”, estreia nesta quinta-feira, 29 de outubro. O filme é todo embasado em torno de uma reviravolta inesperada -e é uma boa reviravolta. E uma que não pode virar spoiler, nem deixar uma pista dele, ou o longa perde o propósito. Mas uma vez que se dá a tal revelação, o roteiro acaba ficando menos inspirado e distinto, exibindo a tentativa de aproveitar o zeitgeist que fez de “Corra!” um fenômeno, mas sem a mesma habilidade de criar uma narrativa realmente singular. A produção marca a estreia da dupla Gerard Bush e Christopher Renz na direção e no roteiro, que já eram conhecidos por incluir a justiça social em seus trabalhos como publicitários. A abertura mostra uma frase do escritor americano William Faulkner, cujo sentido vai ficar claro ao longo da trama –”o passado nunca morre, não é nem passado”. A história começa numa antiga fazenda sulista dos Estados Unidos, ainda com trabalho escravo, onde os supervisores punem severamente os trabalhadores do campo. Alguns deles tentaram fugir recentemente, liderados por Verônica, interpretada por Janelle Monáe, e pagam um preço alto pelo ato, o que não faz com que desistam da ideia de escapar daquele horror. Mas o enredo demora demais para mostrar o que deveria tornar “A Escolhida” especial. O meio da trama —um trecho no qual é difícil entender exatamente o que está acontecendo— é a parte mais marcante (e até o trailer expõe coisas demais, então o quanto menos o espectador souber, melhor). O trecho final, ao contrário, entra num território de thriller mais familiar, e parece começar a acelerar quanto mais se aproxima do desfecho, deixando sem respostas uma série de enigmas. Isso é um pouco irritante, e é exatamente o que distancia o longa de outros mais bem resolvidos como “Corra!”. “A Escolhida” tem a pretensão de forçar a audiência a encarar os horrores do racismo da vida real por meio das lentes de um filme de terror. Mas não chega a provocar tamanho impacto. Esse é o primeiro trabalho da cantora, modelo e atriz Janelle Monáe como protagonista, e ela se sai muito bem, carrega o filme nas costas. O resto do elenco é todo subaproveitado, nenhum outro personagem parece ter características especiais, ou qualquer distinção que seja. “A Escolhida” tem seu valor, não só pelo que tem a dizer sobre o passado e o presente dos Estados Unidos, mas também como um lembrete de como uma ideia intrigante não garante um produto bem-acabado.

E AGORA, TENET

“Christopher Nolan, um dos maiores nomes do cinemão.” “’Tenet’, o filme que vai salvar a lavoura de 2020 do cinema (indústria e exibidores).” Ambas as afirmações são válidas, o que não impede o mais aguardado filme do ano de ser uma outra decepção. “Tenet” oferece tudo o que se espera do cinema-espetáculo -grandes momentos de ação, um vilão complexo, cenas em locações deslumbrantes, uma personagem feminina vítima da masculinidade tóxica e, mais importante, uma trama engenhosa. O universo de ficção especulativa dá o motivo –o tempo e seus paradoxos– que atrai Nolan desde seus primeiros trabalhos. Aqui, não é só a ordem cronológica das sequências que o diretor altera. O nó da trama é um algoritmo que inverte os movimentos no tempo. Em vez das convencionais viagens rumo ao passado ou ao futuro mil vezes contada na ficção científica, o palíndromo “Tenet” anuncia uma tecnologia de vaivém, uma reversão temporal que possibilita a ação do futuro sobre o presente, assim como a sobreposição de temporalidades em camadas. A ideia corresponde à explorada por Nolan em “A Origem”, no qual se suspendia a distinção entre a dimensão real e a sonhada. Esses temas estão por aí desde o início da história do cinema, mas Nolan os soube reativar combinando teoria e entretenimento, criando filmes imersivos que fazem pensar, inoculando subtextos em gêneros ultracodificados e, assim, provocando milhares de “interpretações” nas redes sociais. O que falta a “Tenet” é esse “toque Nolan”, a ambição e a desmesura que alçaram o diretor britânico ao posto de prestígio que ele ocupa na indústria e junto ao público.

Mais matérias desta edição