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Caderno B

SOBRE PESSOAS NEGRAS E BEM-SUCEDIDAS

Ao trazer protagonistas negros em situações socioeconômicas confortáveis, “O óbvio que a gente deixa passar”, escrito por Felipe Moller, quer ser modelo para gerações futuras

Por MAYLSON HONORATO/ COM ASSESSORIA | Edição do dia 19/11/2020

Matéria atualizada em 19/11/2020 às 04h00

Foto: Divulgação
 

Inspirado por sua história de vida e pelas histórias de muitos de seus seguidores, o influenciador Felipe Moller escreveu o livro de ficção “O óbvio que você deixa passar – a resposta que sempre buscou pode estar mais perto do que imagina”. A obra narra a história de pessoas comuns que enfrentam momentos decisivos em suas vidas, e contam com a preciosa ajuda de estranhos e amigos para trazer luz ao seus dilemas, mostrando que muitas vezes a solução procurada lá longe está bem debaixo do nariz. O material em que baseou a trama e a sensibilidade do artista fizeram com que Moller abordasse em seu livro um assunto espinhoso: o preconceito racial. O tema é tratado de maneira sutil, através de uma surpresa nas linhas finais do texto. A obra narra a trajetória de sete personagens, com vida e dilemas comuns: fazem parte de famílias de classe média, cursam ou vão cursar universidade, tem ou estão a procura de bons empregos, e são bem-sucedidos financeiramente. Os protagonistas são negros, mas o autor propositalmente não menciona isso no texto, a fim de provocar o leitor. “Você os imaginou assim?”, indaga ao final do livro, antevendo a resposta. O questionamento suscitado por Moller ao final de seu livro remete a uma campanha em vídeo contra o racismo lançada pelo Governo do Paraná em novembro de 2016, em que são mostradas a dois grupos de pessoas as mesmas fotos protagonizadas por negros e brancos. No imaginário dos entrevistados, pessoas brancas desempenham funções de liderança e pessoas negras de subalternidade. Ao final do vídeo são informados alguns dados alarmantes sobre a situação do negro no Brasil. Tais como: que eles são a maioria (60,6%) dos desempregados; que ganham 37% menos que os brancos; e que ocupam apenas 18% dos cargos de liderança. Tanto o vídeo como os dados apresentados em seu final mostram como é comum no Brasil pessoas negras serem discriminadas pela cor da pele. Episódios de preconceito racial que regularmente ganham espaço nos noticiários deixam ainda mais exposto este problema. Um dos mais recentes ocorreu em um condomínio na cidade de Goiânia (GO), no qual uma mulher se recusou a receber uma encomenda de um motoboy ao ver que ele era negro. Assim como na campanha do Governo do Paraná, foi a tecnologia que tornou possível divulgar o ato em Goiânia. E está sendo a tecnologia a grande responsável por mostrar que o país sofre bastante com esse tipo de problema. Gravações de imagens, prints de mensagens de aplicativos, etc. mostram uma forma de pensar e se relacionar que sempre foi muito marcante no Brasil, mas que, até então, passou sem provas visuais e, por isso mesmo, pôde ser escamoteada e até negada. As gravações mostram que o Brasil é um país atravessado pela discriminação. O que é comprovado por outros dados estatísticos, como os apresentados pela Pesquisa da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, – Aliança Bike. O levantamento aponta que mais de 70% dos entregadores de aplicativos – trabalho de baixíssima remuneração – são pardos e negros. Outras pesquisas explicitam a discrepância racial no que tange aos locais de moradia, mostrando áreas no país que são habitadas majoritariamente por pessoas brancas e outras onde a maioria é negra. Ao abordar protagonistas negros que usufruem de uma situação econômica relativamente confortável, desempenhando até mesmo funções de liderança, o livro “O óbvio que você deixa passar”, de Felipe Moller, cumpre esse papel. Por que pessoas negras não podem realizar as ações e sofrer os dilemas retratados no livro? Por que não podem fazer parte da classe média, cursarem universidade, procurarem bons empregos e serem bem-sucedidos profissional e financeiramente? Transformar a visão preconceituosa sugerida com a indagação provocativa após desfecho da trama pode ser um importante passo para que consigamos modificar o quadro social e racial do país, tornando-o cada vez mais justo.


TRAMA DO LIVRO

Os sete personagens que compõem o romance - Thiago, Ciça, Sandro, Camila, Rodrigo, Jaqueline e Luana - estão em momentos distintos de suas trajetórias, mas todos têm em comum o desejo de encontrar soluções que equilibrem sua vida pessoal e profissional. Thiago busca o primeiro emprego como designer e se vê envolto em uma paixão que nasce após um esbarrão com uma linda garota de “rosto aveludado” trajando um casaco vermelho. Ciça almeja uma promoção, mas acredita não estar sendo valorizada como deveria. Sandro está satisfeito como guia turístico, mas seus olhos brilham mesmo pela música. Camila é uma engenheira competente, atraente e realizada em sua profissão, mas que precisa fazer as pazes com o passado. Advogado rico e bem-sucedido, Rodrigo se ressente de não passar mais tempo com o filho pequeno. Por sua vez, Jaqueline e Luana, duas amigas adolescentes, com gênios bem distintos, se sentem pressionadas a decidir o futuro em época de vestibular As lições que os protagonistas recebem durante a trama são claras, embora de difícil aprendizado. Estão entre elas: responsabilizar-se pelos próprios atos e procurar crescer com eles; inspirar-se em histórias de sucesso, mas sem deixar a própria essência de lado, valorizando a si mesmo; sonhar grande e perseverar, mesmo diante dos mais difíceis obstáculos; não deixar o medo te paralisar; estar ciente de que todo esforço valerá a pena no final; e prestar atenção nos pequenos sinais que podem mudar seu destino. Nas palavras do próprio autor, o livro é definido como uma história sobre “as escolhas que precisamos fazer para conquistar nossos sonhos”. Pois, o caminho quase sempre é árduo e é comum que se tenha a sensação de que a vida nos enrola. “Você traça o plano, ensaia o que vai dizer, se prepara, mas, por algum motivo, quando parece estar perto do tão almejado objetivo, algo acontece e você volta três casas”, comenta Moller. Para tratar o sentimento de impotência, o remédio mais eficaz é “engolir a frustração em seco e retomar o jogo”.

A obra trata de relações humanas, de encontros que podem modificar nossas vidas, e também da simplicidade das soluções para as dúvidas mais angustiantes. “Muitas vezes a resposta certa é óbvia, mas estamos tão imersos em nossas dúvidas e inseguranças que perdemos grandes oportunidades”, diz Moller. O autor destaca que a rota para a realização de sonhos passa por erros, aprendizados, subidas e descidas, que em algum momento precisamos enfrentar. A tarefa fica muito mais fácil quando temos ao nosso lado pessoas – amigos, familiares, amores – que pensam positivo, nos incentivam, nos empoderam, para que consigamos extrair o nosso melhor. Sobre a forma, vale destacar ainda a linguagem empregada pelo autor para demarcar a diferença entre os personagens. Pessoas com idades e bagagens culturais distintas não se expressarão do mesmo modo, certamente. Moller faz isso com muita eficácia, misturando norma culta e gíria (paulistana), nos conduzindo pela história como se também fizéssemos parte dela, tornando a experiência da leitura bastante agradável. Mas a identificação maior com certeza se dá a partir das histórias de cada personagem e da mensagem transmitida por meio deles. São relatos do cotidiano vividos por pessoas comuns, – como a maioria de nós – que enfrentam dilemas prosaicos, mas nem por isso menos aflitivos. Mas o bom, diz o livro, é que tudo passa, tudo pode ser resolvido se você prestar atenção nas pequenas coisas ao redor e contar com as pessoas certas para te apoiar, claro.

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