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Caderno B

DE OLHO NO BBB

Em dia de paredão, confira análise sobre a influência do reality na vida real e como o BBB é marco de era em que internet domina e pauta o que passa na TV

Por Editoria de Cultura com Folhapress | Edição do dia 23/02/2021

Matéria atualizada em 23/02/2021 às 04h00

| Reprodução

O programador Thiago Nery nunca assistiu a um único episódio do Big Brother Brasil deste ano, mas sabe de tudo que está acontecendo na casa –as brigas, os casais, os chiliques e os bordões.

Ele é um dos vários espectadores que acompanham o reality só pelas redes sociais, sobretudo pelo Twitter. “Tem muito tempo que eu não vejo televisão tradicional, essa TV que eu tenho que esperar a programação”, diz ele, que só liga o aparelho para ver streaming ou jogar videogame.

O conteúdo que Nery acompanha pela rede social é criado espontaneamente por uma legião de tuiteiros viciados em BBB que, munidos de pay-per-view, comentam em tempo real o que se desenrola no reality.

E vem tudo embalado com memes, piadas, threads explicativas e discussões. Tem também a vantagem de não ter merchandisings chatos e intervalos comerciais, além de o espectador poder ver vários recortes e interpretações diferentes, feitos por amigos ou influenciadores, e não ter só a versão do hoje mais célebre do que nunca Boninho, o diretor do BBB.

Entre esses tuiteiros produtores de memes e threads, devotos fervorosos do programa, está Kamila Tostes, amiga de Nery. Na internet, ela é conhecida como Marcia Effect e acrescentou “modo BBB” a seu nome de usuário no Twitter no início do ano.

“Enquanto eu estou acordada eu estou vendo BBB”, seja na TV ou no Twitter, diz ela. Seu trabalho de artesã permite que ela mantenha a TV ligada no pay-per-view o tempo todo. Quando chega a hora do programa, há uma explosão de tuítes sobre BBB. “Eu acho que isso é o auge do Twitter, quando junta todo mundo”, diz Marcia Effect.

“Eu nunca consegui gostar de Masterchef, por exemplo, mas sempre quis muito gostar só para poder entrar na conversa”, acrescenta a tuiteira.

Há ainda quem consiga fazer dinheiro com threads, vídeos e esses tais artigos de 140 caracteres. O site de notícias No Instante, fundado por Nicolas Muniz, pode até não ser tão conhecido ou movimentado, mas seu perfil no Twitter, que é atualizado o tempo inteiro, é um dos principais meios de informação sobre BBB. A repercussão é tanta que quem quiser pode contribuir enviando dinheiro –qualquer valor– pelo Pix.

O endereço de email para doações é divulgado nos próprios posts. Muniz conta que já chegou a receber uma transferência bancária de EUR 90, cerca de R$ 586, na edição passada, de seguidores que não moram no Brasil –e não têm acesso ao Globoplay.

O perfil publica vídeos do programa com uma diferença de até três minutos do tempo real, na maioria dos dias. As imagens são captadas através da plataforma Media Studio, do próprio Twitter, e, logo em seguida, publicadas.

“Tem um computador que fica sempre ligado [no pay-per-view] registrando tudo e mandando o sinal para o Media Studio. Depois, é só recortar e postar”, afirma Muniz, que divide a tarefa com mais três pessoas –cada uma delas tem o próprio horário para o trabalho. “Isso não paga nossas contas, infelizmente, mas espero que um dia gere renda”, diz ele.

Segundo Muniz, a televisão é bem menos democrática do que as redes sociais e, por isso, considera seu trabalho tão essencial.

Com as redes, o espectador ganha protagonismo ao comentar e criticar o que se passa na televisão, afirma Adriana Amaral, pesquisadora especialista em estudos de fãs e professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul.

Segundo ela, o BBB é um ponto fora da curva, porque geralmente o que costuma gerar engajamento massivo no Twitter são eventos do porte de uma posse do presidente dos Estados Unidos ou uma cerimônia como a do Oscar.


Foto: Reprodução
 

“A internet, quando surgiu, era uma transposição do que era feito nas mídias que vieram antes dela. Depois ela vai ganhando as suas características próprias”, diz Amaral. “E, se antes a internet carregava características da TV, a TV agora pega características da internet.”

“Essa escolha dos participantes [do BBB], de influencers a militantes, já foi uma escolha absolutamente pensada nas dinâmicas da internet”, conta a professora.

“Alguns autores defendem que os dois primeiros grupos sociais que se apropriaram da lógica e da linguagem das redes sociais, desde os anos 1990, foram os ativistas e os grupos de fãs. Dois grupos que aparentemente não têm nada a ver um com o outro, mas que têm.” Hoje em dia, ambos estão mais próximos do que nunca. É só lembrar os fãs de k-pop que articularam uma estratégia para esvaziar um comício de Trump nos Estados Unidos no ano passado.

Dois anos atrás, o reality show da Globo via os números de audiência em queda e a estreia do BBB de 2019 teve a menor média de audiência da história do programa. No ano seguinte, com o confinamento de todos do lado de fora do reality, o BBB teve recordes de audiência na TV.

Mas onde mais cresceu foi na internet –as menções do programa no Twitter cresceram dez vezes em comparação com a edição anterior.

Nessa rede social, entre janeiro e fevereiro deste ano, 2,8 milhões de usuários diferentes mencionaram o BBB, com 41,4 milhões de publicações sobre o programa, de acordo com dados da plataforma de monitoramento Buzzmonitor. Na TV, a média de audiência tem sido de 5,5 milhões de pessoas e o pico foi de 8,1 milhões.

Vale ressaltar que uma comparação direta entre audiência na TV e no Twitter será sempre incompleta porque as dinâmicas dos usuários são diferentes nas duas mídias. Enquanto na TV o espectador é passivo, na internet ele pode interagir com um conteúdo sem deixar rastros para cálculo de audiência, como hashtags ou likes.

Além disso, a métrica mais usada pelo Twitter é o número de menções a determinado assunto, e não o número de usuários, sendo que um mesmo perfil pode publicar a mesma hashtag em diversas postagens diferentes.

Hoje em dia, mesmo que muitos não assistam a um aparelho televisivo, eles acabam consumindo o seu conteúdo, de uma forma ou de outra.

Segundo Amaral, a maior parte do que está nos memes e nos GIFs vem de séries, filmes e novelas. O seu ciclo de vida costuma começar no Twitter, depois são replicados, printados e copiados em outras redes sociais. Os memes mais parrudos acabam chegando à televisão, fechando o “ciclo de vida do meme”. “As pessoas brincam que um meme morre quando passa no Fantástico”, diz a professora.

A tuiteira Marcia Effect viu uma cria sua completar esse ciclo. Ela criou uma thread em que brincava com Fiuk, que parecia ter virado uma alma penada. O fio foi replicado, remixado, copiado, foi parar no Instagram, no TikTok e até na Globo, numa edição do BBB da semana passada, sem que fossem dados os créditos à autora.

Marcia Effect afirma compreender a dimensão anárquica da internet, mas confessa que ficou irritada. “Xinguei muito no Instagram, xinguei. Mas é isso, está tudo bem.”

Em contrapartida, o fundador do No Instante, conta que já foi notificado e advertido diversas vezes por violação de direitos autorais. Muniz, que há anos faz postagens de vídeos do BBB quase em tempo real, já teve mais de uma página derrubada pelo Twitter após denúncias da TV Globo.

“Neste ano, perdi uma conta e eu estou recorrendo. Enviei [ao Twitter] a justificativa de que é um trabalho de imprensa”, diz ele. “Ainda não decifrei o mistério do que incomoda tanto a Globo. Não vejo como algo negativo. Funciona como um ‘Google do BBB’, algo que eles não têm como oferecer em hipótese alguma. Talvez esse imediatismo possa incomodar, mas acho um incômodo besta. É extremamente positivo para a visibilidade deles.”

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