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Nº 5693
Caderno B

VIAJANDO NO LUGAR

Alagoanos contam como a literatura tem sido companhia durante o distanciamento social e falam sobre as novas formas de consumir livros

Por MAYLSON HONORATO | Edição do dia 10/04/2021

Matéria atualizada em 10/04/2021 às 04h00

| Reprodução

Mesmo dentro de casa a maior parte do último ano, o maceioense Thiago Calado viajou para a Cartagena das Índias, local onde um romance se desenrola em “O amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez. Ele também conheceu Crisóstomo e Isaura que, mesmo com suas histórias infelizes, falam de amor e empatia no incrível “O Filho de Mil Homens”, do angolano Valter Hugo Mãe. De acordo com o cirurgião-dentista de 28 anos, os livros têm sido um refúgio e também uma companhia para os dias de distanciamento social impostos pela pandemia do novo coronavírus.

Apesar de muitas vezes a literatura ser vista como algo anacrônico, de uma geração já distante dos dias apressados de hoje - quando os conteúdos duram 1 minuto e às vezes menos nas redes sociais -, Thiago diz que vê uma comunidade cada vez maior de leitores e que essa juventude está ressignificando o hábito e até fazendo com que os momentos normalmente solitários de leitura se tornem uma experiência coletiva.

“Claro que eu gostaria que as pessoas lessem mais, mas tenho conseguido compartilhar ou consumir muito conteúdo online sobre esse hábito, que muitas vezes é esquecido”, defende o jovem.

Ele se refere aos perfis na internet dedicados não apenas a compartilhar o amor pelos livros, mas a criar um senso de comunidade entre os leitores. É o caso do Li e Falei (@liefalei), um perfil literário alagoano no Instagram que se dedica a refletir sobre leituras de um jeito sensível e caprichado. Por lá, o criador de conteúdo Vedson Santos, além de comentar e resenhar suas aventuras literárias, faz colagens que se relacionam com suas impressões. Ele é um dos muitos criativos que se dedicam a aproximar a literatura dos usuários das redes sociais. Uma das colagens do “Li e Falei” ilustra esta matéria.

“Nesse período de isolamento, ler e compartilhar as leituras, ouvir os pontos de vista de quem leu o mesmo livro, conversar sobre os mundos que aparecem nas histórias, os personagens, tem sido ainda mais reconfortante do ponto de vista do distanciamento. Tem sido uma forma de se relacionar, sair da rotina de pandemia e até fugir um pouco da realidade brasileira”, confessa Thiago Calado.

Os perfis literários têm conseguido mobilizar velhos amantes e novos apaixonados por livros. Essa comunidade ganhou até um termo próprio e é chamada, no Instagram, de “Bookgram”.

“Eu tenho poucos livros, mas comecei a me empolgar ainda mais depois de poder falar sobre as leituras com outras pessoas, nesses perfis no Instagram. Mês passado lemos uma obra de Clarice Lispector e discutimos por vídeo. Éramos 8 pessoas somente, mas foi um conforto para quem está a tantos meses dentro de casa”, diz o estudante Roberto Gonçalves, de 21 anos.


Foto: Reprodução
 

PERNOITE LITERÁRIO

Assim como a iniciativa individual mencionada por Roberto, o Pernoite (@pernoiteliterario) é mais um instagram alagoano dedicado à literatura. Além de muito conteúdo sobre os livros devorados pelos integrantes, o coletivo, fundado em 2018, se reúne mensalmente para debater elementos técnicos e impressões sobre as leituras. Além disso, as últimas duas horas de cada encontro são direcionadas a quem também produz. Os autores podem ler seus textos de até uma lauda e contar com uma amigável análise da produção.

No começo do ano, o coletivo, que atualmente se reúne online, divulgou um cronograma dos livros a serem lidos e discutidos em 2021. Dez livros foram selecionados. O cronograma continua disponível no perfil do Pernoite no Instagram e o grupo é aberto para novos leitores, bastando apenas enviar uma mensagem direta informando sobre o interesse em participar dos encontros.


NOVOS LEITORES

Com mais tempo em casa, a estudante Yara Assis, 18, descobriu a paixão pela leitura por meio de uma amiga que estava lendo “A Metamorfose”, de Franz Kafka. Elas cabaram lendo ao mesmo tempo e conversando sobre o clássico, Yara conta que não gostou muito da obra, mas diz que amou a experiência.

“Eu não tinha o hábito de ler, mas no ano passado comecei a ler muitos livros. De agosto até o final de 2020 eu li seis livros. Não gostei muito do Kafka, não é o meu estilo, mas descobri que ler é sem dúvida uma das minhas grandes paixões”, diz a estudante.

“Tive que maneirar um pouco porque estava estudando para o Enem, mas até nisso a leitura me ajudou muito”, revela Yara.

Yara Assis é uma das milhares de novas leitoras que não tem apego aos livros físicos, apesar de confessar que já comprou vários desde que se descobriu leitora. “Mas só os que eu gostei mais”, afirma.

“Eu leio pelo Kindle. Quando resolvi que ia ler o livro que minha amiga estava lendo, ainda estava tudo fechado por causa da pandemia e meu pai tem um. Depois, fiquei vendo outros títulos que tinha gratuitamente, comprei outros e aí não parei mais.”

Mesmo com a pandemia, o mercado editorial cresceu 44% em 2020, de acordo com uma pesquisa da Neotrust. Foram mais de 14,2 milhões de livros comprados pela internet no Brasil, considerando livros físicos e e-books.

“Comecei lendo os que eu tinha em casa e que pertenciam aos meus amigos, como os que falei, do Gabriel García Márquez e do Valter Hugo Mãe. Aí comprei o leitor digital e estou lendo por ele. É muito prático. Agora, tô lendo A Dança da Noite, de Stephen King”, conta Thiago Calado.

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