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Cultura

PRESERVANDO SABERES

Mestres da cultura popular e pesquisadores celebram Dia do Folclore defendendo olhar mais sensível para os artistas e pedem mais apoio público

Por THAUANE RODRIGUES * ESTAGIÁRIA | Edição do dia 23/08/2022

Matéria atualizada em 23/08/2022 às 15h52

 

Foto: Keyler Simões

Do Bumba meu boi ao Guerreiro, o cenário cultural de Alagoas está repleto de manifestações folclóricas e de histórias de resistência dos saberes e fazeres populares. Seja na roda de coco ou nas filas do pastoril, entre passos de dança e letras de músicas, a cultura popular, que conta milagres e homenageia os antigos, também é cercada por brincantes que se desdobram para manter tudo isso vivo. No Dia do Folclore, comemorado ontem (22), mestres e pesquisadores falaram da relevância dos saberes ancestrais para a sociedade.

Comemorado todo 22 de agosto desde 1847, a data começou a ser celebrada na Inglaterra, como uma forma de homenagear o saber do povo e todos os mestres e mestras que mantêm o legado ancestral vivo.

De acordo com Ivan Barsand, atual presidente da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal), é de suma importância comemorar e preservar o Dia do Folclore, pois o momento permite que a sociedade possa conhecer o que está por trás da palavra folclore e da data comemorativa.

“É nesse momento em que encontramos formas de homenagear os artistas populares, essa gente que não tem mídia, não aparece, mas que faz a sua brincadeira, que mantém a tradição viva no seu bairro, na sua rua, na sua comunidade. São eles que fazem nossa cultura se movimentar”, defende Ivan.

Museóloga e pesquisadora, Carmen Lúcia Dantas afirma que é necessário conservar e celebrar a tradição para manter viva a identidade sociocultural, pois é ela que norteia a sociedade. Ainda segundo Dantas, é a cultura popular que representa de forma intensa a raiz da cultura e da tradição do povo brasileiro.


COMPARTILHAMENTO DE SABER

Indo do interior a capital alagoana, os perpetuadores dos saberes dos folguedos surgem muitas vezes a partir dos dias de lazer com a família. Mestra Zeza do Coco é uma das detentoras do legado tradicional e leva para os palcos a brincadeira, muito séria, que começou na convivência familiar.

Dançando coco desde a infância, a mestra cresceu envolvida no meio cultural, na cidade de Cajueiro, e não imaginava que a Maria José Ferreira da Silva do futuro seria um dos nomes mais influentes da cultura alagoana. Hoje, Zeza do Coco é Patrimônio Vivo do Estado e compartilha seus saberes com os mais jovens.

“Minha mãe era mestra de coco, minha família inteira fazia parte, nós morávamos no interior, meus primos tinham uma banda de forró, meus tios tinham banda de pífano, cresci na cultura. Depois virei nora de Dona Hilda, montei com ela o Pagode Comigo Ninguém Pode e, hoje, sigo fazendo o que aprendi”, conta a mestra.

Balançando seu amigo ganzá, ela canta sobre as vivências, sobre a vida interiorana. Dona Zeza diz que a perpetuação do saber já começa dentro de casa, pois criou todos os seus filhos no meio das rodas de coco e o mesmo faz com seus netos.

“Tenho uma ligação eterna com minha sogra, Mestra Hilda, é com o acompanhamento dela, seguindo o que ela queria, que eu faço a cultura continuar. Antes de falecer, ela dizia que lá do céu iria olhar se os parentes deixariam acabar a brincadeira, hoje, eu, que já criei meus filhos dançando coco, levo meus netos paras a rodas, pois estou treinando eles para o futuro”, disse ela.


ESTÍMULO NECESSÁRIO

Para Ivan Barsand, o saber do povo, a cultura popular, precisa de mais estímulos dos alagoanos para continuar existindo. Seja com um espaço aberto para os ensaios dos grupos, cachês dignos ou com os saberes sendo mostrados e valorizados pelas autoridades públicas.

“Os fazedores da cultura popular precisam de estímulo. Não queremos apenas ser lembrados nas datas comemorativas. O pastoril, por exemplo, não deve aparecer apenas no Natal, a gente precisa dar uma estrutura para que esses artistas sigam fazendo arte e incentivando outras pessoas a fazerem também”, disse ele.

A pesquisadora Carmen Lúcia ressalta que além dos grupos culturais é necessário olhar com mais carinho para os artistas populares que fazem artes com as mãos, letras de músicas, os que transformam tudo o que tocam em arte.

“Precisamos respeitar e incentivar a formação desses grupos, mas estender o nosso olhar também para as demais manifestações populares, que tanto engrandecem o cenário cultural de nosso estado. O artesanato, a literatura de cordel, o repertório de cantorias e todas as modalidades populares contribuem com o enriquecimento do nosso universo tradicional”, afirmou ela.

Feliz por ser reconhecida como um dos nomes importantes da cultura popular do estado, a Mestra Zeza do Coco afirma que, mesmo sendo difícil, irá continuar resistindo, pois acredita que nasceu para isso.

“É muito válido a gente ser reconhecido, a cultura e o folclore são minhas paixões, e isso é muito maior do que qualquer cachê. É triste não ver uma grande comemoração para uma data tão importante, mas a gente segue mesmo assim. A cultura tem que continuar!”, finaliza.


*Sob supervisão da editoria de Cultura

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