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Maceió,
Nº 5692
Violência

HABITAÇÕES ENTREGUES PELO GOVERNO VIRAM PONTOS DE VENDA DE DROGA

Polícias Civil e Militar recebem denúncia e investigam a utilização dos imóveis para a prática de crimes

Por regina carvalho | Edição do dia 16/11/2019

Matéria atualizada em 16/11/2019 às 06h31

| Felipe Nyland

A prática de crimes dentro dos conjuntos habitacionais populares subsidiados pelo governo desafia as forças de segurança. Quem ousa denunciar à polícia a atuação de traficantes em bairros da periferia de Maceió, pode ser obrigado a abandonar o imóvel e deixar para trás o sonho da casa própria. A situação é complicada especialmente na região do Benedito Bentes com seus mais de quarenta residenciais. 

As polícias Civil e Militar recebem denúncia e investigam sobre a utilização dos imóveis para a prática de crimes. Alguns desses moradores conseguem manter a rotina – sem chamar a atenção de vizinhos – dificultando o trabalho das equipes. Batalhões que fazem o policiamento na área já receberam informação de que moradores de comunidades vulneráveis chegaram a ser expulsos das próprias casas pelos criminosos.

O tenente-coronel Vagner Coutinho, comandante do 5º Batalhão de Polícia Militar (BPM) conhece bem a região e afirma que “às vezes os suspeitos de crimes acham que nos conjuntos residenciais é mais tranquilo para eles circularem, que ficam em segurança. Ficam no anonimato, não dão indício de que são criminosos e a população ali acaba não conseguindo identificar. É mais difícil para a polícia chegar a esses criminosos que se escondem nos conjuntos”, explica Coutinho.

Na avaliação do comandante do 5º BPM, como a polícia não tem acesso facilmente aos residenciais, fica mais difícil – se não houver denúncia de moradores – identificar quem está praticando crimes nessas localidades. “Se a população não informar, fica complicado. A gente tem solicitado aos síndicos se puderem nos informar para que a gente possa identificar esses criminosos. Estamos à disposição da população para qualquer apoio”, finaliza Vagner Coutinho. 

O capitão Glaudson Jatobá, subcomandante do 1º BPM, explica como o tráfico avança em residenciais populares localizados nos bairros Vergel e Trapiche da Barra. “Essa questão da guerra de facção acontece muito nesses conjuntos da região do Vergel. Os traficantes se aproveitam dessas comunidades que precisam de ajuda. Os criminosos dão apoio à comunidade e os moradores ajudam os traficantes no sentido de não passarem informação e de quando a polícia chegar, avisar. A facção abastece a comunidade de alimentos, se tem algum membro da família doente compra medicamento, se precisar ir ao médico, paga o tratamento. Os traficantes usam os moradores como ‘mulas’ e como ‘olheiros’ do tráfico. Isso acontece no Vergel, principalmente nos conjuntos próximos à lagoa, na Brejal e parte do Trapiche da Barra”, explica o subcomandante do 1º BPM.


Medo cala moradores da periferia

A equipe da Polícia Civil também confirma a atuação de facções criminosas no Benedito Bentes. “Há venda de drogas nas imediações e dentro dos conjuntos no Benedito Bentes. O que chega de denúncia aqui para a gente, informamos de imediato ao Disque-Denúncia para fazer a averiguação. Mas muitas pessoas, com medo, não denunciam. Quem mora nesses locais é um sufoco porque essas facções é que mandam. Tem gente deixando suas casas por medo”. O relato é de um policial civil que atua no 8º Distrito Policial (DP), delegacia que fica no Benedito Bentes. 

Na última segunda-feira (11), uma equipe da Polícia Civil prendeu um suspeito de invadir a residência de um conjunto habitacional na parte alta de Maceió, provocar danos materiais, ameaçar uma vítima e o filho dela e também furtar um aparelho celular. O homem foi denunciado e autuado na Central de Flagrantes, no Farol. Um outro caso semelhante foi relatado pela Polícia Militar, ocorrido no dia anterior: invasão e ameaça a uma pessoa que mora em conjunto do Benedito Bentes. 

“É uma situação diferente de como acontece em locais como as grotas, por exemplo. Nos conjuntos, às vezes, você não sabe quem está morando ao lado e pode ser um traficante, um criminoso. Pode até ser mais fácil de conseguir localizar essas pessoas, mas os moradores têm muito medo de falar, de denunciar e ter que deixar a casa onde mora, porque há a ameaça por parte de quem está praticando os delitos”, acrescenta o agente da PC. Os bairros que compõem a parte alta da cidade registram a maioria dos casos de violência de Maceió e são justamente nos residenciais dessas localidades que o tráfico mais avança.


Moradora relata casos de tráfico

Aos 53 anos, M.C é uma mulher realizada porque após anos finalmente conseguiu morar no imóvel próprio, após ser beneficiada pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. Há quase sete anos vive com dois filhos e um neto no Conjunto Village da Artes, no Benedito Bentes. Confirma que já presenciou a venda de drogas dentro do condomínio e chegou a acionar o síndico. “Têm uns carinhas aqui que eu até já falei com o síndico. Agora tem um que está vendendo droga e eu estou de olho há um tempinho. Sempre tem ronda policial aqui, mas os policiais não param, não olham. No início a gente fica preocupado, mas depois perde o medo. Morar no apartamento próprio é um sonho, porque vivi a vida toda pagando aluguel e só saio daqui num caixão”, explica M.C.

“Essa questão das facções nesses conjuntos eu entendo que é devido ao número de usuários de droga nesses locais. Eles abastecem de drogas não só quem mora no conjunto, mas de outras localidades. Mas não é só nos conjuntos populares, o grande problema aí é o fortalecimento do combate ao tráfico de drogas que é o que a gente tem feito para proteger as pessoas. Os conjuntos não são tomados pelos bandidos, 99,9% são pessoas de bem, trabalhadoras. Infelizmente em todo o Brasil sempre tem uma célula criminosa que quer dominar o conjunto”, afirma o secretário de Segurança Pública de Alagoas, coronel Paulo Domingos Lima Júnior.


Conjuntos concentram violência

Em outubro do ano passado, Sandra Maria de Lima e Matheus de Lima Silvestre foram mortos por um grupo armado que invadiu um conjunto residencial no Benedito Bentes, onde moravam. Os dois não tinham envolvimento com crimes, segundo a polícia. “Os casos de homicídios na região do Benedito Bentes reduziram, mas pelo que tomamos conhecimento há muitos relatos de tráfico de drogas nos conjuntos residenciais”, afirma o delegado Ronilson Medeiros, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), responsável pela investigação dos assassinatos no Benedito Bentes. 

Em fevereiro de 2016, três pessoas foram condenadas pelo assassinato de Cristiano Mendes dos Santos – que ocorreu em 2011 – no Conjunto Santa Maria, no bairro Cidade Universitária, parte alta de Maceió. A mandante do crime seria Eliane Rosendo, de acordo com o Ministério Público Estadual (MPE), chefe de uma quadrilha que vendia drogas. 

Já em abril de 2012, um duplo homicídio ocorreu também no Conjunto Santa Maria. Mãe e filha – Maria José Ferreira da Silva, 37 anos, e Maria Alexandra Ferreira da Silva, 18, foram executadas dentro de casa porque teriam presenciado um homicídio praticado por traficantes.

Mapeamento do Comando de Policiamento da Capital (CPC) aponta que cinco dos cinquenta bairros de Maceió registram mais ocorrências policiais. Quatro deles ficam na parte alta: Tabuleiro do Martins, Benedito Bentes, Cidade Universitária e Clima Bom e chegaram a ser batizadas pelas forças de segurança de área vermelha.


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