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200 MIL SERTANEJOS BEBEM ÁGUA SEM TRATAMENTO DE AÇUDES, RIOS E DO CANAL DO SERTÃO

Governo do Estado espera recursos federais para fretar caminhões-pipa e combater abastecimento clandestino

Por arnaldo ferreira | Edição do dia 30/11/2019

Matéria atualizada em 30/11/2019 às 06h00

| arnaldo ferreira

Os agricultores do Sertão e Agreste, este ano, ficaram sem sementes prometidas pela Secretaria Estadual de Agricultura e sem assistência técnica do Instituto de Inovação para o Desenvolvimento Rural Sustentável (antiga Emater/AL). Para complicar ainda mais a difícil vida no campo, as chuvas não foram suficientes para mudar a paisagem no semiárido. Desde setembro, a maioria dos açudes está seca, o nível das barragens também está abaixo da média esperada e os principais rios permanecem secos. Esse cenário favorece a “indústria da seca”. Estima-se que, neste momento, cerca de 200 mil sertanejos, para não morrer de sede, consomem água sem tratamento de açudes, barragens, do rio São Francisco e do Canal do Sertão que chega em caminhões-pipa clandestinos.

Há dois meses, os prefeitos de 38 municípios foram obrigados a decretar situação de emergência por causa do agravamento da estiagem. Boa parte deles gasta parcela da receita municipal com pagamento de fretes de caminhões-pipa e ajuda humanitária às famílias que plantaram com recursos próprios e perderam as lavouras. A falta de chuva em quantidade provocou, mais uma vez, o fenômeno da seca verde em todo o Sertão.

O agricultor Juvêncio dos Anjos, da zona rural de São José da Tapera (distante 216 quilômetros de Maceió) foi um dos que plantaram feijão, milho e outras culturas tradicionais do Sertão sem assistência técnica. “A chuva este ano foi pouca. As sementes que comprei germinaram. Mas, sem água, não se desenvolveram. A lavoura está perdida”, disse ao agricultor, que estava indo em direção à prefeitura em busca de cesta básica e água.

A situação de Juvêncio é semelhante à da maioria dos 32 mil habitantes de São José Tapera e de 500 mil sertanejos dos 38 municípios que decretaram situação de emergência. A maioria dos trabalhadores rurais está desempregada e quem mora na zona rural depende de caminhões-pipa.

As prefeituras que decretaram situação de emergência já enviaram a documentação à Comissão Estadual de Defesa Civil. Elas são abastecidas com 200 caminhões-pipa fretados pelo Exército. Os militares mantêm vigilância rigorosa nos postos oficiais de abastecimentos, colocam duas pastilhas de cloro em cada caminhão para garantir a qualidade da água e fiscalizam o trajeto de cada veículo para evitar o comércio criminoso.

Os 200 “pipas” do Exército são insuficientes para atender 500 mil sertanejos. As Comissões de Defesa Civil estadual e as municipais revelaram que as prefeituras também fretam caminhões extras para abastecer as comunidades rurais.

Estima-se também que pelo menos 200 mil sertanejos estejam consumindo água de açudes, barragens, do rio São Francisco e do Canal do Sertão, sem tratamento. Há 15 dias, a Gazeta flagrou dezenas de caminhões-pipa retirando água do canal sem tratamento e levando para os povoados. Cada viagem custa entre R$ 100 e R$ 300, revelaram os próprios pipeiros, que pegam água de graça e revendem às prefeituras e comunidades.


Recursos federais não têm data para chegar


Depois que as prefeituras decretaram situação de emergência, o governo Renan Filho (MDB) via Coordenação Estadual de Defesa Civil, solicitou ao governo federal recursos da ordem de R$ 12 milhões para contratar carros-pipa e retomar o programa “água limpa”, que, além de abastecer as comunidades, atua na fiscalização da qualidade da água. Até agora, o presidente Bolsonaro não atendeu ao pleito do governo de Alagoas, e o o Ministério da Integração Regional não tem nada definido para socorrer as prefeituras em situação de emergência.

Pela avaliação das coordenações estadual e municipais de Defesa Civil, cerca de 400 caminhões-pipa abastecem os 38 municípios afetados pela estiagem. Entre esses, mais de 100 caminhões trabalham com água sem tratamento. Algumas comunidades têm registrado casos de diarreia.

Os setores de vigilância epidemiológica dos municípios, do Estado e a própria Defesa Civil Estadual prometem que, a partir desta semana, trabalharão para orientar a população a observar da qualidade e evitar o consumo de água sem tratamento, mesmo que tenha aparência de limpa. O que se quer evitar são os problemas registrados em setembro de 2013, quando surto de diarreia matou muita gente no Sertão.

De acordo com boletins da Vigilância Epidemiológica, divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau), os números de óbitos registrados em decorrência do surto de diarreia em 24 municípios chegou a 45. Naquele ano (2013), a saúde registrou mais de 100 mortes no Sertão.

Um levantamento do Centro de Vigilância da Saúde, de 1º de janeiro até 17 de julho de 2013, registrou 73.453 casos de diarreia no Estado. O número é bem acima do que foi constatado em 2012, quando foram contabilizados 37.656 casos, e demonstra um crescimento de 77% de notificação da doença de um ano para o outro. Soube-se depois que as pessoas foram vítimas da água transportada em pipas improvisados, inadequados e consumo de água sem tratamento.


Pipeiros reclamam de atrasos no pagamento


Além da concorrência desleal dos pipeiros que abastecem as comunidades com água sem tratamento e cobram até R$ 500 por viagem (a depender da distância), os profissionais que trabalham para as prefeituras e sob fiscalização do Exército reclamam que estão com até dois meses de pagamentos atrasados. Os que mais reclamaram são os caminhoneiros que abastecem na central de captação do município de Pão de Açúcar. Cerca de 40 pipeiros disseram que, se não receberam até o dia 10 de dezembro, podem suspender o abastecimento das comunidades.

A água na central de captação de Pão de Açúcar é retirada do rio São Francisco e segue direto para os caminhões, sem tratamento. Os oficiais do Exército colocam duas pastilhas de cloro em cada caminhão. Um dos oficiais da força federal disse que os caminhões não podem transportar água para as comunidades rurais sem o prévio tratamento com as pastilhas de cloro e a fiscalização do Exército, que faz relatórios diários.

Com relação às queixas de atrasos nos pagamento dos pipeiros, o oficial disse que não estava autorizado a falar a respeito do assunto. Ele não confirmou nem desmentiu a informação dos caminhoneiros.

A água da central de captação de Pão de Açúcar abastece os povoados rurais do próprio município e as cidades vizinhas de São José da Tapera, Jacaré dos Homens, Batalha, Major Isidoro, Carneiros entre outros povoados de cidades mais distantes.


Defesa Civil promete fiscalizar qualidade de água dos pipeiros

Foto: arnaldo ferreira
 


A secretaria da Coordenação Estadual da Defesa Civil já recebeu informações a respeito do comércio de água sem tratamento para vítimas da seca, na zona rural de 38 municípios do Sertão e Agreste. A água comercializada pelos caminhões-pipa, a preços que variam entre R$ 100 a 500 Reais, são coletadas em rios, barragens, açudes e do Canal do Sertão. Na semana passada, as comissões municipais de Defesa Civil foram orientadas a iniciar um processo de fiscalização em todos os carros-pipa, porque boa parte do produto comercializado é de origem clandestina e o pior: a água é sem tratamento.

Atualmente, a Defesa Civil estadual não está com nenhuma operação de abastecimento de água potável na região semiárida. “As nossas operações de abastecimento da população é com água tratada, captada em poços ou em fontes onde têm inspeções e monitoramento constante. Além disso, a água transportada em caminhões-pipa recebe pastilhas de cloro para garantir a qualidade”, afirmou o coordenador estadual de Defesa Civil, coronel Moisés Melo.

Ele confirmou que o Exército mantém a operação de abastecimento da população com cerca de 200 caminhões. “A água transportada com carros-pipa fretados pelo Exército é de qualidade, captada em fontes seguras e também recebe tratamento com pastilhas de cloro. Os caminhões têm a identificação que fazem o transporte de água para o Exército. O monitoramento e controle são rígidos”, disse o coronel Moisés.

Para conter o comércio de água contaminada, as coordenações estadual e municipais de Defesa Civil orientam que “as pessoas devem evitar consumir água oferecida pelos pipeiros que pegam água diretamente no rio São Francisco, ou no Canal do Sertão, de barragens e açudes sem tratamento adequado para preservar a saúde”. O coronel Moisés solicitou também às prefeituras que usem seus órgãos competentes e ajudem a fiscalizar o transporte de água.


Atraso no pagamento


O coordenador estadual da Defesa Civil negou o envolvimento do Estado com atraso de pagamento dos pipeiros. “Não descarto que isso possa estar ocorrendo. Mas queremos esclarecer que, neste momento, a Defesa Civil Estadual não realiza nenhuma operação”. O coronel Moisés acha que esse atraso de pagamento reclamado pelos pipeiros esteja ocorrendo em algumas prefeituras ou de outros contratantes. Ele não soube definir quem está contratando pipeiros e deixando de pagar os fretes.

Confirmou, porém, que solicitou recursos ao governo federal, no montante de R$ 12 milhões, para ajudar no abastecimento de mais de 500 mil pessoas com água tratada a partir do próximo.


Brasília


Desde de setembro não chove no Sertão e Agreste em quantidade para suprir as necessidades. Por causa disso, 38 prefeituras decretaram situação de emergência. A situação já foi repassada à coordenação nacional de Defesa Civil e ao Ministério da Integração Regional. Por isso, nos bastidores da coordenação estadual, acredita-se que o governo federal deve liberar recursos a partir de janeiro. Se isso ocorrer, imediatamente começará a operação complementar a desenvolvida pelo Exército.

Atualmente, mais de 300 mil pessoas são abastecidas com as operações desenvolvidas pela Exército, prefeituras e iniciativas particulares. Sabe-se que mais de 200 mil pessoas consomem água sem tratamento, confirmou o coordenador estadual da Defesa Civil, ao acrescentar que, com o agravamento da situação da seca, o Estado entrará no socorro aos sertanejos de forma complementar. Nos anos anteriores, a Defesa Civil alocou 120 caminhões.

“Já fizemos solicitação de recursos ao governo federal, encaminhamos a documentação necessária. O que sabemos é que o pleito está na fase final da análise. A qualquer momento, o governo federal pode anunciar a liberação de recursos”. O coronel Moisés adiantou que só pretende fazer a convocação e contratação dos caminhoneiros a partir da confirmação da liberação dos recursos federais e quando o dinheiro chegar ao Estado. Ele acha que isso pode acontecer até o final de janeiro, mas não definiu data.

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