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Educação

DESEMPENHO RUIM NO PISA NÃO SURPREENDE PROFESSORES DE AL

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes é principal ranking de Educação do mundo; mestres citam estrutura precária

Por Thiago Gomes | Edição do dia 18/01/2020

Matéria atualizada em 20/01/2020 às 09h54

O desempenho levemente melhor, mas ainda muito fraco dos alunos brasileiros de 15 anos nas disciplinas de Matemática, Leitura e Ciências, conforme ficou evidenciado no principal ranking de educação do mundo, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) de 2018, não causou surpresa a especialistas de Alagoas. Ouvidos pela Gazeta, eles apontaram os erros e acertos que contribuíram com estes indicadores.

Professor de Matemática há 16 anos, com atuação no Ensino Básico, que é o foco do levantamento, Técio George Holanda Bezerra diz que o baixo aprendizado nesta disciplina seria o reflexo do atual momento enfrentado pela Educação no País. Para ele, esta área segue abandonada, com unidades de ensino sem estruturas, com falta de material didático, além da desvalorização dos professores e com as famílias cada vez mais distantes das escolas.

“Outros fatores também poderiam ser levados em consideração, além destes que já mencionei. Eu compreendo que só podemos começar a mudar esse cenário quando a Educação passar a ser prioridade para os brasileiros”, destaca. 

Ele compreende que as provas que servem de parâmetro ao Pisa avaliam a capacidade do aluno em ler, interpretar, integrar e analisar textos que exprimem várias situações. “Então, para que o aluno possa dominar boa parte dessa situação, é preciso ter uma boa estrutura familiar, uma escola que apresente material didático suficiente, estrutura física decente, além de professores qualificados”.

Por lecionar a disciplina mais temida entre os estudantes, Técio diz que tem desafios diários para tentar cumprir o objetivo de transmitir o conhecimento e obter o resultado dele, que é o aprendizado. Como estratégia, cita que busca firmar parceria entre a família e a escola. Na opinião dele, se o pai, mãe ou responsável deixam de acompanhar o desempenho do filho ou filha nos estudos, o processo de ensino-aprendizagem trava.

“Escola sozinha não consegue dar andamento a esse processo. Além disso, posso citar como desafios diários à rotina a obrigação de ter que trabalhar com estruturas das escolas deficitárias, incluindo salas de aulas extremamente quentes,  falta de livros didáticos, causando um ambiente que acaba desmotivando os alunos”.

O professor diz que também tenta mostrar que a Matemática deixou de ser aquele "bicho de sete cabeças". Para isso, procura contextualizar o assunto, evidenciado nas mais diversas situações do cotidiano. “Na medida em que vou introduzir um conteúdo, uso exemplos do dia a dia (compras em um mercadinho, jogo de futebol, corrida de táxi, horário de remédio etc.). A partir daí, vou me aproximando daqueles que apresentam maiores dificuldades e tento encontrar uma outra forma de desenvolver aquele conteúdo, para facilitar o entendimento”.

Sobre o conteúdo programático a ser desenvolvido em sala de aula, Técio afirma não ter dificuldades para passá-lo aos alunos. Porém, avalia que há uma má distribuição dos temas a serem estudados, principalmente nos 7º e 8º anos do Ensino Fundamental.

Em Matemática, o Pisa revelou que os alunos brasileiros conseguiram aumentar em sete pontos a avaliação, passando de 377 para 384). Mesmo assim, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não considera uma evolução relevante. Aqui, cerca de 32% dos brasileiros na mesma faixa etária atingiram o nível básico, ao passo que na OCDE, o índice é de 76%. 

‘LEITURA ESTÁ ESTAGNADA’

Em Leitura, os brasileiros melhoraram em seis pontos o desempenho (de 407 para 413). Nas questões específicas deste eixo, 50% dos estudantes de 15 anos atingiram o nível mínimo, que considera a capacidade dos alunos em identificar a ideia principal de um texto com tamanho moderado, encontrar informações com base em critérios explícitos, e refletir sobre o objetivo e forma dos textos. A média mundial, da OCDE, é de 77%. 

O professor de Linguagens do Ensino Fundamental Pedro Araújo trabalha, no dia a dia, com Língua Portuguesa, Literatura, Redação e Inglês. Ele diz que o resultado do último Pisa revela que a leitura do jovem brasileiro está estagnada, quadro que não lhe causou surpresa, embora frise que, do ano 2000 para cá, houve um claro avanço nesta área.

“Porém, no últimos 10 anos, estamos praticamente parados no nível de leitura e creio que isso acontece principalmente porque é preciso investir mais fortemente em educação, principalmente em tecnologia. A tecnologia já chegou e até as crianças mais pobres já têm acesso a smartphones e internet, mas essa tecnologia ainda não chegou dentro da escola. Está cada vez mais difícil competir com a realidade. Os alunos têm cada vez menos interesse na escola porque as redes sociais, o Youtube e outros serviços online são mais atrativos”, ressalta.

Ele concorda com o colega que leciona Matemática que o desempenho baixo dos estudantes brasileiros se deve à falta de investimentos em Educação. Na opinião de Pedro Araújo, os recursos públicos precisam ser melhor administrados e é necessário fazê-los chegar às escolas do interior do Norte e Nordeste. 

“Não adianta negligenciar os investimentos, estrutura das escolas, e querer bons resultados. Nós, professores, fazemos o máximo possível. Mas como dar uma aula de qualidade numa sala de aula sem ventiladores e com uma temperatura de mais de 30ºC?” questiona.

Segundo ele, é difícil a concentração e o consequente aprendizado dos alunos com estes problemas estruturais. “Tenho alunos que faltam a aula porque precisam ajudar a mãe em casa com alguma coisa. A verdade é que a condição social das pessoas, ou seja, a pobreza, impacta diretamente os números da Educação”, destaca.

Para incentivar os estudantes ao hábito da leitura, fazendo os resultados melhorarem, o professor diz que é desafiado todos os dias a repensar os métodos. “O maior desafio é conseguir fazer isso numa realidade de educação em que os alunos acessam o Instagram diariamente, mas não querem ficar duas horas lendo ou estudando. Busco sempre dinamizar as aulas com músicas, jogos e gincanas, coisas que eles acham mais legais. É claro que o conteúdo precisa ser dado. A escola não é parque de diversões, não se pode ter só brincadeiras, mas é preciso dinamizar cada vez mais o processo para cativar os alunos de maneira mais eficaz”.

EM CIÊNCIAS, FALTA DE INVESTIMENTO COMPROMETE 

Em Ciências, a melhoria do desempenho foi pífia e, na avaliação da professora Jaqueline Paranhos, o cenário já era esperado, pelo menos de certo modo. Ela atribui a deficiência de aprendizagem à dificuldade que os estudantes apresentam em interpretação textual, além da caducidade notória no sistema educacional brasileiro. 

A educadora também transfere a culpa ao governo, pela omissão na assistência às instituições públicas de ensino, principalmente às universidades, que formam os professores.

“Outro ponto que merece destaque é a falta de investimento em projetos de extensão ainda na universidade. Seria importante que esses não fossem restritos apenas à vida acadêmica. Deveriam ser ampliados, de modo que o profissional pudesse continuar sua pesquisa outrora iniciada na universidade, em sala de aula. São estes fatores que poderiam contribuir com o estímulo do profissional em sua qualificação para que ele continue exercendo seu ofício com amor, por amor e com louvor. Vale salientar o papel da família, sendo esse não menos importante no processo da aprendizagem ao servir como suporte aos adolescentes”.

Analisando o Pisa, a professora diz que o Ministério da Educação (MEC) deveria elaborar mais projetos políticos que contemplassem à acessibilidade do jovem à leitura.

Diante deste quadro, Jaqueline Paranhos cita que se depara, todos os dias, com a falta de incentivo. “Porque, além de existir uma defasagem no sistema educacional brasileiro, nos deparamos com a falta de incentivo e investimento por parte do governo em todos os aspectos que englobam um dos pilares da sociedade que é a Educação”.

Ela diz que enfrenta vários desafios e o principal deles é ter que lidar com os atrativos que mundo oferece e que acabam desviando o foco da escola. “Então, tento utilizar das mais diversas ferramentas para facilitar a transmissão de conteúdos aos alunos, dentre eles a internet, que anteriormente já fora vista como vilã do nosso papel. Tento ainda adaptar materiais que seriam descartados pelos próprios alunos na elaboração e confecção de modelos educacionais”.

Jaqueline revela que costuma associar os conteúdos a serem explorados em sala, que serão utilizados para a construção de conhecimentos dos alunos, a realização de experimentos. “No entanto, quando o conteúdo não me possibilita a realização da metodologia empírica, sistematizo a temática em questão, de modo que possa trabalhá-la de forma lúdica”, destaca.

Ela ainda faz uma crítica ao conteúdo programático de Ciências. Revela que, a partir da instauração da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), surgiu uma dificuldade maior para o desenvolvimento do trabalho do professor ao abrir uma lacuna na sequência dos conteúdos. 

“Percebe-se este espaço aberto quando deixamos de trazer ao aluno a informação sobre conteúdos relativos ao seu cotidiano. Por exemplo, ao abordar a temática a respeito dos invertebrados, dentre eles um molusco bivalve, conhecido popularmente como sururu, costumo discorrer que é um espécime existente em nossa região e que sua extração não se restringe apenas à exploração desses no setor alimentício. Mas, também, ao aproveitamento de suas conchas na produção de artesanato local, enfatizando ainda à produção experimental de materiais que atendam outros setores, entre eles o ramo da construção civil, sendo assim, aproveitado forma sustentável”.

A nova versão da base foi instaurada em dezembro de 2018 com o objetivo primordial de "garantir aos estudantes o direito de aprender um conjunto fundamental de conhecimentos e habilidades comuns em todas as regiões do país, quer seja na rede pública, quer seja na instituição particular, independentes de que sejam na zona rural ou urbana".

EDUCAÇÃO ABANDONADA EM AL

A presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal), Maria Consuelo Correia, entende que a ausência de políticas públicas e cobertura social são os principais fatores que interferem no abandono da Educação e que refletem diretamente na qualidade do ensino oferecido aos jovens do ensino básico. Ela faz uma crítica ao governo por ‘esquecer’ esta área e diz que os resultados no Pisa já eram esperados.

“Infelizmente, os governos fazem a Educação de faz de conta, onde os aparelhos públicos das escolas são subutilizados, no Palei [Programa Alagoano de Ensino Integral], por exemplo, onde é feito um investimento maior por parte do Governo do Estado, se atende poucos alunos, que por vezes ficam ociosos em virtude da ausência de profissionais”. 

Ela diz que, para que haja um salto qualitativo na aprendizagem, do ponto de vista das políticas educacionais, seria necessária uma mudança de postura dos governos, que tratem o trabalhador da educação com respeito, garantindo salários dignos e formação continuada para os profissionais, além da garantia da autonomia pedagógica para que o conteúdo ensinado na sala de aula se relacione com a vida dos estudantes. 

“É importante citar que o próprio Plano Estadual de Educação trata das questões estratégicas para a educação pública e melhoria da aprendizagem, mas que é tratado com total desleixo por parte do Governo do Estado, que a cada audiência pública ignora as metas e ações previstas no plano. É um verdadeiro escárnio com os pesquisadores e comunidade que debateram e construíram este importante instrumento de avanço das políticas educacionais”, avalia.

AÇÕES FOCAM ALUNOS DO 6º AO 9º ANOS

A Gazeta de Alagoas questionou a Secretaria Municipal de Educação de Maceió (Semed) acerca do desempenho ruim apresentado no Pisa nestes três eixos. Por meio de nota, o órgão informou que tem atuado e focado em estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental com parcerias que vão desde apoio de instituições à formação continuada de professores até a consulta à Base Nacional Comum Curricular e desenvolvimento de projetos pedagógicos que auxiliam no ensino. 

A entidade citou o projeto Senai Transforma, que possibilita a oferta de cursos de qualificação profissional, além dos Institutos Inspirare e Ayrton Senna, que são parceiros nos projetos desenvolvidos nas escolas. Ainda fez menção à Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa-OLP, na qual um aluno da rede municipal garantiu medalha de prata em nível nacional, e a Olimpíada de Matemática, onde a Semed também se destacou.

Para os professores, o órgão diz que investe na formação continuada com foco na implantação e implementação do Referencial Curricular de Maceió, guiado pela Base Nacional Comum Curricular, o que viabiliza a execução de projetos interdisciplinares voltados para as áreas de Ciências, Matemática e Língua Portuguesa.

“Outra iniciativa que prevê avanços dos estudantes é a política de correção de fluxo para alunos em distorção idade série. A Semed afirma que, dentro dessa perspectiva de melhoria da aprendizagem, os resultados já estão sendo refletidos no desempenho dos estudantes”, destaca a nota enviada à Gazeta.

Questionamentos também foram feitos à Secretaria de Estado da Educação, mas eles não foram respondidos.

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