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Nº 5693
Cidades

IDOSOS DISPUTAM REMÉDIOS NA FARMÁCIA DO ESTADO

Eles chegam de madrugada, enfrentam longas filas e burocracia e alguns voltam para casa sem a medicação

Por arnaldo ferreira | Edição do dia 04/04/2020

Matéria atualizada em 04/04/2020 às 06h00

| arnaldo ferreira

Enquanto a rede solidária nacional trabalha para proteger milhares de idosos e os estimula a ficar em confinamento voluntário como medida para evitar o risco de contaminação pelo novo coronavírus, em Alagoas, diariamente, centenas de pessoas com mais de 60 anos enfrentam situação de humilhação e perigo de contaminação num órgão da Secretaria de Estado da Saúde. Eles madrugam na fila da disputa por medicamentos doados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Burocracia e frustração acontecem no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf), que centraliza a distribuição de medicamentos na Rua Oldemburgo da Silva Paranhos, nº 830, no bairro do Farol.

O Ceaf é uma estratégia de acesso a medicamentos do SUS, caracterizado pela garantia da integralidade do tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, das linhas de cuidado definidos em Protocolos Clínicos e Diretrizes do Ministério da Saúde. O acesso aos medicamentos é garantido pelo pacto entre a União, Estados, Distrito Federal e municípios, conforme as diferentes responsabilidades definidas na Portaria 1554 de julho de 2013. O que deveria ser um ato simples, a burocracia em Alagoas e a falta de medicamentos fazem aumentar o sofrimento de aposentados e pensionistas pobres, muitos do interior.

Desvios funcionais obrigaram mudanças na distribuição de medicamentos, revelou um dos servidores da Sesau que não quis ser identificado. O Estado optou pela centralização, a pretexto de “apertar” a fiscalização. Para a pensionista Marineuza Fernandes da Silva, de 75 anos, que recebe salário mínimo, mensalmente, a estratégia da Sesau representa transtorno. A idosa precisa de dois colírios para controlar a pressão ocular e o glaucoma. “Chego aqui às cinco horas da manhã, fico até três horas e algumas vezes volto para casa sem os medicamentos que preciso”.

Maria Quitéria dos Santos, 60 anos, moradora do Jacintinho, conseguiu parte dos medicamentos para tratamento de glaucoma. “Cheguei às seis da manhã. Desta vez tive sorte. Vou economizar este mês porque não precisarei comprar os remédios”, disse a aposentada, que ganha salário mínimo e se tivesse de comprar remédios gastaria em média R$ 150.

Alguns idosos madrugam a fim de pegar os primeiros lugares na fila para renovar o cadastro. Gilda Santos da Silva, 70 anos, mora no município de Matriz do Camaragibe (distante 75 quilômetros de Maceió). No dia 18 de março, chegou cedo para renovar o cadastro. “Mensalmente, pego colírios e medicamentos para hipertensão. Ganho salário mínimo de aposentadoria, por isso tenho que enfrentar a fila”. Conseguiu renovar o cadastro. Mas terá de esperar quinze dias para receber a resposta do cadastramento e “talvez” receber os remédios que precisa. “O colírio falta sempre e aí fico sem o remédio”, confessou.

Josefa está em tratamento há três anos. Antes recebia os medicamentos na cidade onde mora. Agora, mensalmente, se desloca até Maceió para continuar o tratamento e pegar as medicações. Gasta R$ 50 de passagem (ida e volta) para Matriz. José Olívio Alves dos Santos, 72 anos, também estava numa das salas do Ceaf, à espera de medicamentos. Há dois meses tenta conseguir colírios para tratamento de glaucoma. Já ficou mais de um ano sem receber os remédios. “Mostro a receita do médico, eles [os atendentes] dizem que não tem a medicação e mandam voltar no mês seguinte”, lamentou o aposentado, que recebe salário mínimo. Os dois colírios custam R$ 150. Os outros remédios são mais caros. “Se comprar os remédios morro de fome”, disse o aposentado, que mora em Cruz das almas.

A funcionária pública municipal Maria Carmelita dos Santos vem mensalmente do município de Mar Vermelho [distante 110 quilômetros] e madruga na fila. Na última tentativa de conseguir o colírio para tratar de pressão ocular, não conseguiu por causa da burocracia. “Não consegui o remédio porque tenho que fazer novo cadastramento e nova consulta”, disse a pensionista, que já passou um ano sem conseguir o remédio. O medicamento custa R$ 130, e ela recebe salário mínimo.

Esta semana a fila estava menor e as salas com números reduzidos de idosos por causa da falta de transporte intermunicipal. Mesmo assim, Josefa Alves de Lima Santos, 61 anos, depois de duas horas de espera volta para casa sem os colírios de que precisa para pressão ocular e glaucoma. “Eles disseram que mandaram para a minha casa. Não sai e não chegou. Agora, não sei o que fazer”. Ela mora na Rua José Lopes de Medeiros, no Tabuleiro do Martins. Prometeram que até o dia 15 os remédios chegam à casa dela.

O pedreiro Severo Ribeiro acompanhava a esposa que esperava medicamentos. “Um dos medicamentos que mais faltam para todos são os colírios para o glaucoma”. Maria José Oliveira da Silva, que mora no Tabuleiro do Martins, disse que foi atendida rapidamente e conseguiu a medicação.

Sesau promete melhorar o atendimento aos idosos

A Secretaria de Estado da Saúde, em resposta às reclamações dos idosos, respondeu que o Componente Especializado de Assistência Farmacêutica (CEAF) atende 46.735 usuários cadastrados e que ampliou o alcance do Programa Remédio em Casa, evitando que idosos que recebem medicamentos de alto custo façam aglomerações na sede do órgão. O programa já atende 4 mil usuários em Maceió e, desde dia 18, passou a contemplar 5 mil usuários com idade a partir de 60 anos e/ou que possuam patologias como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença de Crohn (inflamação séria do trato gastrointestinal), doença de Parkinson, psoríase e fibrose cística.

Ainda com relação à assistência farmacêutica, o Ceaf diz que mudará as regras de renovação e cadastro dos usuários. A partir de agora e, até o fim da pandemia da Covid-19, os pacientes não precisam apresentar toda a documentação para renovar o cadastro. O Ceaf considerará, como renovação, a última documentação apresentada pelo paciente. A renovação do cadastro do paciente será feita de maneira automática, dispensando a presença do paciente nas instalações da Farmácia do Estado.

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