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Nº 5693
OLHARES

HISTÓRIAS SOBRE ORGULHO

Três relatos de alagoanos sobre a importância de celebrar o Dia do Orgulho LGBT

Por Maylson Honorato | Edição do dia 27/06/2020

Matéria atualizada em 28/06/2020 às 09h33

Pouco tempo atrás, gays brasileiros ainda eram proibidos de doar sangue
Pouco tempo atrás, gays brasileiros ainda eram proibidos de doar sangue - Foto: Bullit Marquez
 

Nas primeiras horas do dia 28 de junho de 1969, policiais invadiram o icônico bar Stonewall Inn, em Nova York, agrediram e prenderam travestis, drag queens, gays, lésbicas e jovens sem-teto que frequentavam o local. O que os policiais ou o Estado de Nova York não esperavam era que a ação truculenta e injustificada resultasse em semanas de resistência, com protestos que aumentavam diariamente ao redor do bar e de todo o bairro Greenwich Village. Foi a primeira vez na história em que LGBTs se apresentaram como um movimento, unidos para afirmar: temos orgulho de quem somos.


Essa é a história da chamada Rebelião de Stonewall, série de motins que fundou o movimento LGBT no mundo. Neste domingo, 28 de junho de 2020, quando é comemorado o Dia do Orgulho LGBT, alagoanas e alagoanos refletem sobre a memória da resistência em Stonewall, mas também sobre a resistência do dia a dia no Brasil e em Alagoas, realidades que mostram o quanto ainda é preciso falar em orgulho.


“Acho importante lembrar datas como o 28 de junho, porque assim afirmamos as lutas e principalmente as vitórias adquiridas até hoje. Esta data marca o início de tudo, é a data exata de quando a população LGBTI+ se rebelou e ocupou as ruas, e disse que não aceitaria mais opressão”, comenta Nildo Correia, presidente do Grupo Gay de Alagoas (GGAL).


Nildo lembra que pautas muito recentes mostram o quanto a comunidade LGBTI+ ainda sofre com o preconceito e a falta de informação. Somente no último dia 12 de junho, brasileiros gays foram autorizados a doar sangue. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim a uma norma sustentada por crenças arcaicas acerca do vírus HIV.


“A importância desse momento é afirmar que não somos pessoas de risco, então não tem porque sermos impedidos de doar sangue, que é uma ação que todos podem e devem realizar”, pontuou.


A Revista Maré reuniu três histórias que têm em comum a superação dos obstáculos impostos pela sociedade às pessoas LGBTI+. Os relatos mostram que a comunidade ainda precisa manter as mãos dadas e resistir ao avanço de ideias e atos opressores. O ponto de partida, como prega uma pensadora contemporânea, é amar a si mesmo. Afinal, “se você não consegue amar a si mesmo, como diabos vai amar outra pessoa?”


HISTÓRIAS QUE ORGULHAM

Universitária narra expulsão de casa e descoberta dos traços que atravessam sua identidade
Universitária narra expulsão de casa e descoberta dos traços que atravessam sua identidade - Foto: Acervo pessoal/Camila Sabino
 

A maceioense Camila Sabino tem apenas 21 anos e precisou se adaptar rápido à realidade depois que foi expulsa de casa, no ano passado, ao assumir-se lésbica. A jovem, que cursa Geografia na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), conta que ainda lida com a dor, mas que aprendeu a ser forte e a ter orgulho de si mesma.


“Eu sempre vivi em um ambiente familiar extremamente religioso, cristão. Isso contribuiu muito para que minha descoberta como pessoa fosse um pouco frustrante. Quando você é ensinado que sua existência é pecado, não é fácil”, conta a jovem. “Ser expulsa de casa contribuiu para que eu descobrisse os muitos fatores que atravessam a minha identidade. Pois eu sou uma mulher lésbica e negra”, completa.


Para lidar com o abandono, Camila contou com a ajuda de amigos e de familiares que a estenderam a mão.


“O Dia do Orgulho não é apenas um dia, envolve uma história complexa de lutas de classe e de raça. É muito importante que a data seja mais do que somente visibilidade, mas de reflexão para mudar a estrutura, buscar meios para reduzir as desigualdades e as violências. Mas também é um dia para lembrar que orgulho é eu não ter medo. Orgulho é ser livre. Orgulho é ter liberdade para ser”, diz a jovem.


"Meu maior orgulho é ser uma mulher negra, trans e militante", diz Natasha Wonderfull
"Meu maior orgulho é ser uma mulher negra, trans e militante", diz Natasha Wonderfull - Foto: Maylson Honorato
 

Para Natasha Wonderfull, o Dia do Orgulho LGBTI+ é um dia para celebrar a vida e reforçar a luta por essa liberdade. Este ano, o dia tem um significado ainda mais intenso, já que é o ano em que Natasha completa 50 anos. A felicidade é justificada, já que a perspectiva de vida de uma mulher transsexual no Brasil é 35 anos, de acordo com o IBGE. Natasha atua como técnica em enfermagem e diz que se surpreender diariamente com a vida, apesar do sofrimento que enfrentou e que enfrenta, principalmente quando vê outras mulheres trans ou travestis sofrendo com a violência e o abandono. Ela é uma das criadoras do grupo TranShow, coletivo de artistas transsexuais e travestis de Alagoas, que realiza apresentações artísticas em teatros e eventos. A ideia é encontrar um caminho fora da prostituição para tantas mulheres trans e travestis que não conseguem emprego.


“Ser trans aqui em Alagoas ainda é difícil, apesar de ser melhor do que já foi um dia. Um dos maiores problemas que enfrentamos é que nos forçam à marginalização, nos tiram o emprego e a possibilidade de nos manter. Muita gente ainda pensa que somos anormais, que somos do diabo…”, diz.


“Eu tenho orgulho de ser uma mulher negra e de poder lutar por outras mulheres que não têm como brigar pelos seus direitos. Meu maior orgulho é a militância, é poder abrir as portas para outras meninas. Eu já estou com 50, vou fazer este ano, e tô feliz por estar viva e sobrevivendo. Eu tenho orgulho de dizer que sou uma mulher negra e militante. Quando a gente tem vergonha daquilo que a gente é, a gente não é feliz”, finaliza Wonderfull.


Designer de moda alagoano transformou sua vida em uma exibição glamurosa de orgulho
Designer de moda alagoano transformou sua vida em uma exibição glamurosa de orgulho - Foto: Acervo pessoal/Augusto Christoff
 

Quem vê os modelitos ousados e a personalidade poderosa do fashion designer alagoano Augusto Christoff, não imagina o árduo caminho que o jovem percorreu. A história dele começa como a de muitos homens com traços femininos da comunidade LGBT, com violência dentro de casa.


“Como a maioria dos homens LGBTQIA+ que foram crianças com trejeitos e afeminadas, tive uma infância pautada pela opressão familiar, principalmente pelo meu pai, um homem cuja masculinidade tóxica era motivo para me podar de todas as formas - ao ponto de me puxar caso eu estivesse dormindo em posição fetal, pois era uma posição afeminada -. Tive uma infância maravilhosa, mas que tiveram seus contratempos, cresci em um ambiente de violência doméstica, e após o falecimento de meu pai num acidente de carro, por um tempo ficamos sem muito foco do que faríamos, já que ele, de certa forma, era o provedor”, conta.


No mercado alagoano há cerca de quatro anos, Augusto Christoff transformou seu nome em uma marca bem sucedida, empreendendo na própria cidade e quase que estritamente para a comunidade LGBTQIA+. O artista virou uma referência pelas produções caprichadas e é procurado por quem busca looks que vão além das roupas “feijão com arroz”.


“Os anos passaram, as coisas se ajustaram, decidi o caminho que eu queria seguir e fui atrás dele. Com muito esforço da minha mãe, consegui estudar em outra cidade e fazer o curso que eu sempre almejei, mas principalmente, comecei a me entender como indivíduo e meu local na sociedade. Comecei a entender que o que é imposto socialmente para como um homem e uma mulher (sejam gays ou hétero) são apenas pilares de papel dentro de uma sociedade hipócrita e machista. Comecei a entender que a liberdade de ser tudo o que se quer, do jeito que se quer é muito maior do que se adaptar a qualquer estereótipo. E foi nesse pensamento que eu me pautei como profissional e construí minha marca”, diz o designer de moda.


“Hoje tenho orgulho de ser um homem gay que faz roupas e arte para um público majoritariamente gay, que não precisa se enquadrar em qualquer perfil imposto socialmente, um público que tem orgulho de ser, seja qual for a forma do ser.”.

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