Passar muito tempo em casa e muitas vezes sozinhos mudou definitivamente a nossa relação com a mente e o corpo. O que antes não era “olhado” ou “percebido” ganhou grandes proporções no momento pandêmico, já que fomos obrigados a viver em vigilância pela saúde e, consequentemente, fazendo análises constantes do próprio corpo.
A psicóloga Valeska Bassan, da Universidade de São Paulo (USP), defende que, para muitas pessoas, a pandemia foi gatilho para trazer à tona medos, inseguranças e desconfortos com relação ao corpo. “Passar mais tempo em casa fez com o que as pessoas passassem a olhar mais para si e também ficassem mais tempo na internet, visitando perfis de ‘blogueiras’ e ‘instagramers’ que mostram uma realidade totalmente descolada e corpos que não são reais. Passamos tanto tempo preocupados com as notificações das redes sociais e muitas vezes deixamos de perceber os sinais do próprio corpo”, comenta.
Por si só, a pandemia trouxe uma enxurrada de sentimentos, além de mudar as nossas rotinas. Uma pesquisa da Kantar mostra que o uso das redes sociais durante a pandemia cresceu 40%, principalmente do Facebook, WhatsApp e Instagram.
Passamos mais tempo conectados, deslizando pelas redes sociais e impondo a nós mesmos um estado constante de felicidade, como se fosse possível estar sempre bonito e feliz, com o corpo esbelto e bronzeado. Esses pensamentos, para a especialista, são uma combinação perfeita para o desenvolvimento de transtornos, seja ele alimentar, uma crise de ansiedade ou depressão.
“Quando começou a pandemia, eu queria sair dela com o corpo que eu sempre sonhei”, conta a alagoana Stefhany Gomes, 25. A administradora relata que até conseguiu se dedicar aos objetivos no início, mas o problema veio com a passagem do tempo, a comparação com outras pessoas e os resultados considerados insuficientes por ela mesma.
“Não consegui fazer nem a metade do que eu queria e isso me deixou frustrada. Eu via até colegas e conhecidos exibindo uma rotina de exercícios em casa, uma rotina mais saudável, mas eu não tinha como fazer tudo aquilo. Isso gerava muitos sentimentos negativos”, afirma a jovem.
A psiquiatra afirma que a queixa de Stefhany é mais comum do que se imagina e que reclamações sobre o corpo e o medo de engordar durante o isolamento foram levantadas por muitos pacientes ao longo da pandemia. O alerta é para não permitir que uma preocupação ganhe um grau maior de importância no cotidiano.
Não por acaso, uma série de estudos mostra que houve um aumento nos transtornos alimentares nos últimos meses. Um levantamento feito pela National Eating Disorders Association, ONG que ajuda indivíduos e famílias afetadas por transtornos alimentares, mostrou um aumento de 40% nas ligações em sua linha de suporte desde março de 2020.
Mais do que a aparência física, Valeska ressalta a importância das pessoas se reconhecerem da forma que são, e se manterem saudáveis independentemente dos padrões físicos impostos pela sociedade. “A questão da não aceitação da autoimagem está totalmente ligada a doenças como anorexia, bulimia nervosa e a compulsão alimentar. É muito importante saber que o peso por si só não determina a saúde de uma pessoa”, diz. A especialista reforça que é fundamental termos uma alimentação saudável e praticar exercícios físicos, independentemente da balança.
SETEMBRO AMARELO
O Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio. No Brasil, foi criado em 2015 pelo CVV, CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), com a proposta de associar à cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro). Mais informações em www.setembroamarelo.org.br.
Caso você esteja ou conheça alguém pensando em cometer suicídio, procure ou oriente a pessoa a procurar ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida). O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.