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CASA É ONDE O CORAÇÃO ESTÁ

Casal viaja pelo Brasil “morando” em um carro popular e conta como é a vida na estrada e o que tem visto por Alagoas e pelo País

Por MAYLSON HONORATO - EDITOR DA REVISTA MARÉ | Edição do dia 27/11/2021

Matéria atualizada em 27/11/2021 às 04h00

O carro popular virou casa e o sonho de viver na estrada virou realidade. Em busca de descobrir os Brasis que existem no Brasil e viver uma experiência inesquecível, o casal gaúcho Carina Furlanetto e João Paulo Mileski botou o pé na estrada, em maio deste ano, e só deve retornar a Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em 2023. Em Alagoas desde o começo dessa semana, eles devem percorrer ao menos dez cidades. Alagoas é o décimo estado da expedição que pretende explorar todas as unidades federativas do Brasil a bordo de um Renault Sandero 1.0. A primeira parada em solo alagoano foi a cidade de Delmiro Gouveia. Antes de chegar aqui, eles passaram por Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Nessa história, que mais parece o enredo de um filme, nada de hotéis, restaurantes ou pedir comida por aplicativos. A aventura do casal tem regras e entre elas está a meta de gastar 70 reais por dia, incluindo combustível, alimentação e higiene. A cama foi improvisada na parte de trás do veículo e a comida é preparada em uma panela elétrica conectada a uma bateria extra. Carina conta que a ideia de fazer esse estilo de viagem surgiu em 2015, quando o casal planejava férias comuns. Os jornalistas tinham acabado de completar 30 anos e queriam aproveitar uma viagem ao Uruguai. Foi no meio do planejamento que um deles perguntou: por que não ficar um pouquinho mais na estrada? Depois disso, não faltaram questionamentos. “Eram questões profissionais, pessoais, não tínhamos filhos, não temos ainda, e resolvemos que era o momento de fazer isso, antes que a gente desistisse, perdesse a vontade, antes que a vida nos levasse para outros rumos”, relata Carina. “Aí a gente resolveu ir da forma que a gente podia. Tinha esse Sandero na garagem e foi com ele mesmo que caímos na estrada”, completa. João Paulo diz que Carina e ele chamam o carro de “kitchenette móvel” e que já se acostumaram a fazer tudo dentro do veículo popular. “Muita gente pergunta sobre o carro. Mas, se fôssemos esperar pelo que se convenciona ideal, que é um motorhome, podia ser que a vontade não fosse mais a mesma. Olhamos pra garagem e pensamos - por que não?”.

NAS ESTRADAS DA AMÉRICA Em 2019, a bordo do mesmo veículo, o casal realizou uma aventura de quase 14 meses por 10 países da América do Sul. A história virou o livro “Crônicas na Bagagem: 421 dias na estrada - uma jornada de despedimento pela América do sul”. Após o retorno ao Brasil pela Venezuela, o objetivo era conhecer todos os estados do país, mas a pandemia acabou forçando uma pausa na continuidade da expedição. “Conhecemos praticamente todo o nosso subcontinente e só agora estamos conhecendo de verdade o nosso próprio país”, conta Mileski.

NAS ESTRADAS DO BRASIL Em um momento tão delicado para o país, com a pandemia de Covid-19 e uma profunda crise financeira, viajar pelo Brasil tem sido um desafio ainda maior. Pela América do Sul, os jornalistas dormiam em casas de pessoas e no próprio carro. Nas 168 noites em que o veículo também serviu de “cama”, eles apenas baixavam os bancos da frente e deitavam ali mesmo. Agora, por conta da pandemia, adaptaram o carro para tornar possível uma viagem com mais autonomia. “Tiramos os bancos de trás e improvisamos uma cama, o que permite viajarmos isolados, sem depender de outras pessoas. Estamos fazendo um isolamento nômade, apenas nós e o carro”, relata Carina. “Agora que as coisas estão melhorando um pouco, que a gente já tomou a vacina, estamos começando a ter um pouco mais de contato”, completa. Para João Paulo, nesses mais de 200 dias na estrada, eles puderam constatar a riqueza da diversidade cultural e sobretudo a generosidade do brasileiro. De pessoas que querem ajudar de todas as formas, que dão comida e até gasolina. “A gente é do Sul, né? Então, o que tem nos chamado muita atenção aqui no Nordeste é a receptividade das pessoas. São pessoas que, mesmo sem nos conhecerem, abrem as portas das suas casas pra gente. Isso tem nos chamado muita atenção. São pessoas que não tem muito e, mesmo assim, fazem questão de nos ajudar de várias formas”, conta. No município de Olho D’água do Casado, eles conseguiram passar a noite em um terreno ao lado da Guarda Municipal, próximo a um banheiro público “em condições de uso”, explicita Carina. A recepção foi calorosa: “Falaram que podíamos até usar as tomadas da sede da Guarda se quiséssemos dormir com um ventilador no carro”. Antes disso, no interior da Bahia, o carro atolou na areia e eles tiveram que andar seis quilômetros até encontrar a casa mais próxima. “Era uma casa simples, sem energia elétrica, não tinha geladeira, era uma casa muito pequena, mas com pessoas que nos acolheram com muito carinho, amor, e nos ajudaram a sair daquele lugar e continuarmos a viagem”, diz Carina. “Nos marcou muito. A acolhida do sertanejo é uma coisa que vamos levar para as nossas vidas. Porque a gente não é assim [no Sul], somos mais fechados. A gente vai tentar ser um pouco mais nordestinos daqui pra frente, ajudar as pessoas, acolher, mesmo que a gente não tenha muito, a gente sempre pode fazer alguma coisa”, completa João.

VAI CAIR NA ESTRADA? Quando anunciaram a aventura para os amigos e familiares, os jovens jornalistas pegaram a todos de surpresa. “Acharam que a gente tinha batido a cabeça”, afirma João Paulo. “Mas com o tempo, como a gente compartilha muita coisa nas redes sociais, eles foram vendo que outras pessoas fazem o que a gente faz e vieram de carona com a gente”. O desafio agora é viver com a alta da inflação. “A gente tá há sete meses na estrada e a variação de combustível foi de 40%. Então, isso impacta até a nossa viagem. A gente não tá conseguindo ficar na nossa meta, por enquanto, por conta disso”, conta João Paulo Mileski, que garante que quem também quiser viver essa experiência, basta não ter medo dos desafios. “Não é fácil, a vida na estrada é de altos e baixos, mas não precisa ter um super equipamento ou um carro para viajar. Uma viagem assim pode ser feita de mochilão, bicicleta. O importante é ter a vontade de fazer”, completa Catarina. O dia a dia da aventura do casal pode ser conferido no Instagram.com/cronicasnabagagem.

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