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DESCOBRI QUE TENHO TDAH, E AGORA?

Os desafios enfrentados por quem recebeu tardiamente o diagnóstico do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

Por Thauane Rodrigues* ESTAGIÁRIA | Edição do dia 02/04/2022

Matéria atualizada em 02/04/2022 às 04h00

Crescer, manter laços afetivos, prestar atenção em pequenos detalhes, organizar hábitos do dia a dia é algo desafiador. Mas é ainda mais para os diagnosticados com TDAH - principalmente para aqueles que descobrem o transtorno tardiamente e que são vistos pela sociedade, muitas vezes, como relaxados ou preguiçosos. O TDAH é um transtorno neurobiológico de causas genéticas, caracterizado por sintomas como falta de atenção, inquietação e impulsividade. Aparece na infância e acabou sendo associado a essa fase, mas pode acompanhar o indivíduo por toda a vida. O déficit de atenção com hiperatividade está presente em 8% da população infantil e 4,4% dos adultos, de acordo com as informações da Associação Brasileira do Déficit de Atenção. Alexandre Barbosa tem 25 anos e descobriu que tem TDAH há menos de dois meses. O diagnóstico veio durante acompanhamento psiquiátrico e psicológico que visava tratar outras questões. “Durante a troca com o psiquiatra, ele me pegou de surpresa ao dar o feedback do diagnóstico do TDAH. Eu já tinha lido algumas coisas sobre o transtorno, cogitei a ideia de ter, mas, foi nesse retorno, quando ele começou a me mostrar com clareza os sintomas e situações que já havia comentado com minha psicóloga”, conta Alexandre. O jovem, que é jornalista, antes do diagnóstico o seu conhecimento sobre o transtorno era básico, constituído apenas pelos estereótipos reproduzidos pela sociedade. “O TDAH é muito estereotipado, para muitos, toda criança que não para quieta, ou é autista ou tem o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, com o diagnóstico eu me aprofundei no assunto e pude perceber que não é dessa forma. Foram 25 anos me enxergando de forma errada, me entendendo como inapropriado ou inadequado”, diz ele. Já para a estudante de Publicidade e Propaganda, Michaella Lima, o diagnóstico aconteceu durante a adolescência, ainda no período da escola, ao perceber a dificuldade de concentração nas atividades escolares. “Tive muitos problemas com minhas notas escolares, repeti de ano devido às dificuldades, o que começou a preocupar minha mãe. Fiz alguns testes com um profissional e terminei descobrindo que minha mãe e minha irmã tinham também, logo depois comecei o ano letivo sabendo que tinha TDAH”, relembra a estudante.

DESCOBERTA TARDIA No ponto de vista do psicólogo Fábio Tenório (CRP 15/4660), os adultos descobrem tardiamente o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade devido os sintomas serem vistos como uma “falha moral”. “Os diagnosticados passam a acreditar que são aquilo que a sociedade fala, crescem tendo a crença que são preguiçosos, relaxados, ou que não se esforçam, o que termina fazendo o diagnosticado se culpar pelos sintomas e não busca tratamento”, diz Fábio Tenório. Já a médica psiquiatra Jordana Farias (CRM/AL 6347) afirma que o adiamento do diagnóstico acontece, principalmente, em decorrência da ausência de um acompanhamento correto na saúde pública. Para ela, faltam até mesmo campanhas mais didáticas sobre o TDAH, o que acaba fortalecendo a tendência dos adultos de perpetuar a ideia de que pessoas com problemas de atenção e hiperatividade se comportam assim por livre e espontânea vontade.

NOVA PERSPECTIVA Com quase um mês e meio do diagnóstico, foi a partir dele que o jornalista Alexandre Barbosa começou seu processo de aceitação e de acolhimento. “Eu pude me entender em várias demandas que eu não conseguia chegar a um consenso com a terapia, pensando somente na depressão e na ansiedade. Para quem sofre com o transtorno, o diagnóstico é um tipo de libertação, pois responde questões muito intimas”, diz ele. Com o diagnóstico, a mudança da rotina é um dos pontos chaves do tratamento, seja com uma alimentação diferenciada, com o uso de medicamentos ou a prática de exercícios físicos. Para Alexandre, os hábitos diários têm mudado constantemente, pois além da inserção dos medicamentos, o jornalista passou a se provocar a mudar para sanar questões que, antes do diagnóstico, não eram respondidas. “Além dos medicamentos para ansiedade e para o TDAH, eu descobri que minha alimentação precisava estar bem, pois carboidratos e açúcares diminuem a eficácia dos medicamentos. Tive que adequar minha alimentação para que os alimentos contribuam com a ação dos remédios no meu organismo”, revela Alexandre. Ele conta que a rotina do sono também foi alterada, pois, com o uso das medicações, o organismo vai passando por um processo de “montanha russa” até a adaptação. “Tive que me policiar para não dormir muito tarde, acordar muito tarde, para não desorganizar minha rotina, os horários que tenho que cumprir”, completa.

ACOMPANHAMENTO NAS ESCOLAS Para o psicólogo Humberto Sarmento (CRP 15/4568), a observação dos professores e dos pais durante os primeiros anos escolares é de suma importância para o diagnóstico precoce, porém, muitos ainda negligenciam o cuidado com os primeiros sinais acreditando que pode ser uma fase e que logo passará. “As primeiras impressões de que algo está em desequilíbrio, quanto aos níveis de desatenção, hiperatividade e impulsividade, se dão nos primeiros anos escolares. Muitos ainda demoram a buscar tratamento e só buscam de fato quando se encontram em séries escolares que os níveis de desatenção já desenvolvem certo prejuízo escolar e social para a criança e adolescente”, afirma o psicólogo. “Quando não há um diagnóstico adequado e consequentemente não há busca por tratamento (farmacológico, neuropsicológico e psicoterapêutico) os adolescentes e adultos podem desenvolver prejuízos acadêmicos, laborais, interpessoais e sociais”, completa. Para Michaella Lima, o diagnóstico na adolescência foi primordial para que melhorasse o seu desenvolvimento na escola. De acordo com a estudante, ela recebeu apoio da escola onde estudava e começou a ser tratada de forma mais atenciosa, com uma mudança no estilo de provas e maior assistência pedagógica. * Sob supervisão da editoria da Revista Maré

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