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Opinião

TOLERÂNCIA VINTAGE

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Por ERICK MEMÓRIA. bacharel em Relações Internacionais pelo IUPERJ - RJ | Edição do dia 19/02/2020

Matéria atualizada em 19/02/2020 às 06h00

A Carta Sobre a Tolerância foi um escrito fundamental para o desenvolvimento dos Direitos Humanos, por ser precursora dos chamados direitos de primeira geração, compreendendo-se aí as liberdades civis e políticas. Os Direitos Humanos foram instituídos após a Segunda Guerra Mundial, para proteger as populações civis e grupos étnicos e religiosos dos excessos violentos do Estado nazista, a exemplo dos judeus, que em 1948 estabeleceram o Estado de Israel na ONU, no seio do Oriente Médio, e que, atualmente, irônica e tragicamente, reproduzem um Estado violento e que persegue a população nativa dos árabes palestinos.

Para quem leu a obra de Locke, percebe que este cenário real é muito semelhante ao cenário imaginário apresentado na Carta Sobre a Tolerância, onde o autor afirma que uma comunidade cristã sofrendo perseguição, busca abrigo em uma terra de pagãos e lá estabelece raízes ao ponto de se tornar a maior facção e então começa a legislar em causa da própria religião e reprimir os pagãos nativos. Sobre a antiga Israel, Locke afirma que, por ser uma teocracia, o Estado não poderia permitir qualquer distinção entre a Igreja e o Estado, como ocorreu após o nascimento de Cristo. Portanto, o culto daquele povo, não era apenas a palavra de uma divindade invisível, mas se tratava também das leis civis, onde o legislador é o próprio Deus, logo, qualquer outro culto que não seja o oficial do Estado seria punido pela espada do magistrado. Locke considera ainda, acima de tudo, necessário distinguir com precisão os negócios do governo civil dos da religião e estabelecer os justos limites que existem entre um e outro. Se isso não for feito, não haverá fim as controvérsias, que sempre surgirão entre aqueles que têm, ou pelo menos fingem ter, por um lado, uma preocupação pelo interesse das almas dos homens e por outro lado, um cuidado da comunidade. Infelizmente, a “tolerância” está fora de moda nestes tempos supostamente mais esclarecidos, e suspeito que as pessoas que puderam aprender ao máximo com este livro curto e convincente, tenham menos chances de fechar olhos e ouvidos contra ela. Esse é, sem dúvidas, um escrito que pode ser útil para entendermos o que está acontecendo no Brasil de hoje. Ele nos faz pensar muito sobre as relações do Estado com a Igreja e a situação política do nosso país hoje, quando afirma ser de admirar que os magistrados tolerem esses incendiários e perturbadores da paz pública, que usam frequentemente a cobiça e orgulho para aumentar o próprio poder. Ele questiona àqueles que não vêm que estes bons homens são mais ministros do governo do que ministros do Evangelho; adulando a ambição dos príncipes e o domínio dos poderosos, devotando suas energias a promover a tirania que não conseguiriam estabelecer na Igreja. Locke conclui afirmando que “geralmente, tem sido esse o acordo entre Igreja e Estado; se, ao contrário, cada um deles se confinasse dentro de suas fronteiras - um cuidando apenas do bem-estar material da comunidade, outro da salvação das almas - possivelmente não haveria entre eles nenhuma discórdia. Temos, porém, vergonha de dizer algo tão escandaloso”.

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