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Opinião

POR QUE AGORA?

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Por Caroline Pestana - escritora (@cadernosemcapa) | Edição do dia 10/06/2020

Matéria atualizada em 10/06/2020 às 06h00

Nas últimas semanas o mundo parou para assistir protestos que inflamaram os Estados Unidos. Essas manifestações se iniciaram com a revolta pelo homicídio de George Floyd, um homem negro desarmado, que foi imobilizado no chão por um policial ajoelhado em seu pescoço, até sua morte.

Chama a atenção o fato de que tantos brasileiros tenham oferecido apoio à causa, especialmente após o crescimento do movimento #BlackLivesMatter (Vidas negras importam) nas redes sociais, nascido em 2013. Vidas negras importam. Vidas negras e brasileiras não? Não existe nenhuma dúvida sobre a brutalidade da ação policial americana, especialmente no caso de George Floyd, e a importância dessas manifestações pela punição de policiais que agem de forma agressiva injustificadamente. Mas é interessante analisarmos como brasileiros podem ter tanta voz para apoiar o movimento internacional e, ao mesmo tempo, permanecem silentes diante da violência da nossa própria polícia. No Brasil são inúmeros os relatos de violência policial contra negros, especialmente no Rio de Janeiro. Há apenas alguns dias um jovem de quatorze anos - João Pedro, foi assassinado pela polícia com um tiro de fuzil. Um tiro dado em suas costas. Por mais brutal e injusta que tenha sido a morte de João Pedro, o que foi feito além de acrescentá-lo à lista de crianças e adolescentes assassinados pela polícia? Quantas crianças foram assassinadas sem que houvesse passeatas por elas? Quem fechou a Av. Paulista, ou incendiou carros, ou levou apoio e moveu doações para seus familiares, ou promoveu comoção internacional? As poucas manifestações - daqueles que participam ativamente na luta contra a violência policial, tiveram pouca visibilidade ou até passaram despercebidas. E quando é feita essa comparação, existe uma parcela da sociedade que defende que é diferente, pois nos Estados Unidos o racismo seria pior, enquanto que no Brasil isso é “coisa do passado”. Bom, apenas a título de comparação, no ano de 2019 a polícia americana matou 1099 pessoas. No mesmo ano, a polícia brasileira matou 1810 pessoas apenas no Estado do Rio de Janeiro. São cinco pessoas assassinadas por dia. A desproporção é tão grande que levanta o questionamento: por que nos indignarmos apenas agora, com um caso internacional, quando há anos milhares de negros têm sido assassinados aqui no Brasil? A questão não é diminuir a gravidade do que ocorreu (e tem ocorrido há tanto tempo) nos Estados Unidos. Mas por que é tão fácil aderir a uma comoção internacional e tão difícil fazer algo pelo seu próprio país? É fácil criticar algo que acontece tão longe, pois o distanciamento acalma nossas consciências, e assim não precisamos repensar nos próprias atitudes. Mas a verdade é que não é possível apoiar a luta contra o racismo lá fora e ignorar o que acontece aqui dentro. A luta contra o racismo deve ser parte do nosso dia a dia, em cada pequeno ato, no incentivo e apoio a profissionais negros, no ler e ouvir e assistir suas histórias e, em altíssima voz, no indignar-se a cada ato de violência, não importa o seu tamanho ou origem. Posso ser branca, mas sou consciente dos meus privilégios e uso minha voz para dar voz a negros e negras em suas trajetórias. Em especial, sou grata por ter crescido com meus irmãos que me mostraram desde cedo a importância do enfrentamento como único meio de combater a ignorância e preconceito daqueles que nos viram com diferentes olhos pela simplicidade da diferença em nossa pele.

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