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Maceió,
Nº 5694
Opinião

GUERRA DAS VACINAS

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Por Marcos Davi Melo. médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 24/10/2020

Matéria atualizada em 24/10/2020 às 04h00

Essa guerra das vacinas travada no Brasil é algo que em qualquer lugar do mundo civilizado e democrático seria impensável, inacreditável. Todos sabem que a vacina será a única forma de dar alguma segurança à população mundial, propiciando a reabertura gradual das atividades humanas em geral, principalmente aquelas vinculadas aos imensos esforços que serão necessários para tentar reativar a economia mundial devastada pela pandemia. As vacinas, principalmente as quatro que estão na frente, na fase três das pesquisas, ainda podem ter vários eventos naturais desfavoráveis e atrasar o calendário de suas aprovações.

Ocorrem polêmicas ridículas: se a vacina será ou não obrigatória. Uma vacina que ainda não existe e que está tendo dificuldades inacreditáveis para ser produzida no Brasil: pelo acompanhamento técnico até agora feito, entre as três em testes no Brasil, a de Oxford/AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a da Johnson e Johnson e a da CoronaVac/Butantan. A que está mais adiantada e que tem apresentado menos efeitos colaterais é a do Butantan, mas nem por isso vai se desprezar todas as demais vacinas que estejam sendo testadas. O avanço maior da vacina do Butantan tem explicações técnicas: o método utilizado em sua produção já é dominado há muitos anos pelo instituto, tido como maior provedor de vacinas para o Ministério da Saúde. Só precisa da matéria prima para a sua produção, que é originária da China. Nessa inescrupulosa guerra das vacinas que se produziu no Brasil, por puras questões políticas/eleitoreiras e ideológicas, que não interessam à grande maioria da população, questões essenciais precisam ser avocadas com prioridade total: a quantidade de pessoas que precisam ser vacinadas é muito grande e uma única vacina não será suficiente. Outras questões, como a efetividade e a durabilidade da imunização, reforçam a necessidade de múltiplas vacinas no mercado, pois, caso a Covid-19, torne-se uma virose sazonal, o que é provável, essas vacinas precisarão constar do Programa Nacional de Vacinação (PNI), que é um exemplo de sucesso copiado mundialmente, com necessidade de repeti-las todos os anos. A obrigatoriedade ou não da vacina, agora, é secundária, se nem temos ainda a vacina, cuja disponibilidade é certamente a prioridade absoluta para a maioria da população mundial, incluindo a brasileira. Luis Pasteur (1822 - 1895) foi procurado numa madrugada gelada pelo casal Maister, que lhe trazia seu filho de 4 anos de idade. Ele espumava pela boca, tinha rígidas contrações e não conseguia beber nem água, estava às portas da morte. Tinha sido mordido por um cão que era portador de raiva, uma doença altamente letal, cujas vítimas eram principalmente as crianças pequenas. Pasteur, inspirado em Jenner, pioneiramente utilizou a vacina e salvou a vida da criança. A história da vacina e da vacinação - nenhuma outra ação humana salvou tantas vidas - é uma das mais emblemáticas para demonstrar a capacidade humana de ser ao mesmo tempo tão grandiosa, criando e usando a ciência em benefício da humanidade, quanto inescrupulosa ao utilizá-la desvirtuada e maldosamente. A varíola , doença também altamente letal, só foi eliminada do planeta em 1977, depois de uma longa e intensa campanha mundial coordenada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Igualmente, muitas outras doenças, como a cólera, a paralisia infantil, a hepatite B, a tuberculose, só foram domadas, através da coordenação e orientação da OMS. Espera-se que o interesse público seja preservado nessa inescrupulosa guerra das vacinas. O interesse público prioritário e absoluto é ter vidas salvas, seguido de pertinho por retornar o mais breve possível a um mundo onde se possa trabalhar com um mínimo de segurança sanitária, o que é impossível sem as vacinas. O general Pazuello, ministro da Saúde, já demonstrou subserviência total ao presidente Bolsonaro - “Ele manda, eu obedeço” -, confundindo o estressado e maltratado Brasil com um imenso quartel de jovens, desinformados e saudáveis recrutas. A Anvisa tem um belo e respeitável histórico de atuação técnica, independente de influências políticas. Seu atual presidente, um almirante da Marinha, caso seja indevidamente pressionado, precisará manter esse patrimônio de independência, integridade e moralidade. Não se submetendo a ideologias, a idiossincrasias e às velhas politicagens e mantendo o respeitado nome da Anvisa, e o seu também.

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