Heráclito, filósofo grego, disse há milhares de anos: “O caráter de um homem é o seu destino”. Jane Austen escreveu “Orgulho e Preconceito” e outras obras, ainda hoje bestsellers e roteiros para filmes de sucesso onde os militares, oficiais bonitões, vestindo garbosos uniformes vermelhos, dançavam valsas com as jovens damas nos soberbos salões da monarquia britânica. Curiosamente, todos os seus romances foram escritos contemporaneamente às guerras napoleônicas, quando as tropas inglesas enfrentavam Napoleão nos sangrentos campos de batalha europeus, mas em nenhum momento essa realidade contamina os seus romances. Voltaire, filósofo francês do Iluminismo, recomendava que os escritores vivessem perto de uma fronteira internacional, para facilitar as suas fugas.

Atualmente, com a celeridade das mídias e da internet, o espaço entre os acontecimentos públicos e as vidas privadas se encolheu enormemente: Jane Austen hoje não poderia permanecer alheia à tragédia da pandemia de Covid-19 e Voltaire não teria como escapar, principalmente se morasse no Brasil, pois a maioria das fronteiras do mundo estão fechadas para nós. Somos obrigados a enfrentar a realidade da pandemia e da política, pois estão a cada dia mais interligadas, queiramos ou não. Somos obrigados a nos adaptar e achar um lugar no mundo convulsionado pela peste. O que fazer quando o mundo deixa de ser paroquial e pequeno, quando todas as nossas histórias colidem com as outras histórias do mundo? Quando não mais vivemos em pequenas bolhas? Quando todas as caixas de nossas vidas se abrem dentro de outras caixas? Quando instrumentalizam inescrupulosamente a religião para fins políticos espúrios? Carlos Drummond de Andrade afirmava que as dificuldades são o aço estrutural que entra na formação do caráter. O que nos maltrata mais nessa pandemia? O medo de pegar a Covid-19 e não termos um leito de hospital ou de UTI? Um parente próximo adoecer e falecer? Quando teremos vacinas eficientes para todos? São angústias humanas naturais, mas sabe-se que o isolamento social, locckdowns e as vacinas são efetivos e insubstituíveis. Remédios usados sem comprovação científica são farsas. As fake news são tão deletérias para a sociedade quanto a Covid-19, mas até mesmo alguns médicos insistem em usá-las e enodoam uma profissão que deveria ser um templo sagrado devotado ao culto da verdade e cujos sacerdotes a sorveriam como o néctar de um cálice sagrado. Quando as coisas exteriores invadem as nossas vidas, como uma avalanche, o caráter, refletido no comportamento de cada um demarca a nossa identidade e isso ficará para sempre como um legado pessoal para nossos netos e bisnetos, que perguntarão como nos comportamos nessa pandemia. Oscar Wilde afirmava que são os pequenos atos de cada dia que fazem ou desfazem o caráter. Caráter é destino.