Gazeta de Alagoas
Pesquise na Gazeta
Maceió,
Nº 0
Política

TJAL TEM MAIS DE 180 PROCESSOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MENORES

Maior parte dos casos trata de abuso sexual, exploração à prostituição ou estupro de vulnerável

Por Mariane Rodrigues | Edição do dia 03/08/2022

Matéria atualizada em 03/08/2022 às 04h00

| Agência Brasil

Tramitam atualmente na 14ª Vara Criminal da Capital, 182 processos de estupro contra crianças e adolescentes. Segundo o juiz Ygor Figueredo, em média são 30 novos processos por mês, dos quais ele diz acreditar que 18 sejam voltados para violência sexual contra pessoas até 14 anos. Criada em 2018, a vara julga crimes contra vulneráveis, como aqueles cujas vítimas são crianças, adolescentes, idosos, moradores em situação de rua, população LGBTQIA+, deficientes, negros, índios, dentre outros. “Desses grupos de vulneráveis, o que mais chega ao Juizado são os crimes praticados contra crianças e adolescentes e, dentre eles, a grande maioria trata de abuso sexual, seja de exploração à prostituição ou estupro de vulnerável”, diz o magistrado à Gazeta de Alagoas. “Mas é importante deixar claro que qualquer ato libidinoso é considerado como crime de estupro de vulnerável. Mesmo que haja consentimento e que se trata de toques ou mesmo um beijo lascivo”, ressalta Figueiredo. Os crimes que chegam à Vara, segundo a psicóloga e perita da 14ª Vara Criminal da Capital Ruthe Wanessa de Barros Vanderlei Oliveira, são aqueles que já passaram pela Delegacia Especializada em crimes contra Criança e Adolescente, cujos inquéritos já foram finalizados e repassados ao Ministério Público Estadual, responsável pela denúncia. Ygor Figueiredo explica que é comum que a vara seja o único local pelo qual a criança acaba por dar o depoimento sobre a violência sofrida, para que ela não reviva a violência sofrida em mais de uma oportunidade. “Crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência são escutadas através de depoimento especial, que uma forma de oitiva que visa proteger a criança ou adolescente, evitar, na medida do possível, que ela reviva o trauma, assegurar a livre narrativa e o direito de escolher ser ouvida ou não”, explica o magistrado. “Além disso, no caso de vítimas de crimes sexuais ou de menores de 7 anos, a lei manda que a criança ou adolescente seja ouvida antecipadamente, evitando que ela tenha que relembrar os fatos depois de algum tempo do ocorrido”. Ruthe Wanessa é responsável por realizar as entrevistas e colher os depoimentos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de crimes na 14º Vara Criminal da Capital. À Gazeta de Alagoas, ela afirma que há um protocolo, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina e orienta como esse depoimento deve ser colhido. Há também a lei Nº 13.431/2017 que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Ela explica que no fórum há uma sala especial onde, no momento do depoimento, só ficam ela - como entrevistadora perita - uma psicóloga ou assistente social e a criança. No local, há câmeras para que a audiência seja gravada e transmitida para advogados, promotores e juízes que são partes do processo. Em nenhum momento, a criança tem contato com o agressor. A psicóloga, que é capacitada especificamente para colher esses depoimentos, diz que o processo possui pelos menos três fases. A primeira é da interação, que deve ser um momento leve e descontraído. “É importante não interromper a criança, porque na hora que ela relatar a violência, o relato precisa ser o mais livre possível, sem interferência, sem sugestão. Não pode trazer elementos que a criança não falou. Tem que ser um relato livre”, diz ela. Em seguida, há a fase das regras, momento em que Ruthe Vanessa informa à criança sobre as regras da conversação. É nesse momento que ela diz à criança que pode interromper a entrevistadora a qualquer momento, que pode corrigi-la e que pode até dizer que não sabe da resposta quando assim ocorrer. “A gente diz que ela pode dizer que não lembra e ela pode parar a conversa a qualquer momento”. A terceira fase é a que antecede a audiência propriamente dita. É o momento da transição. Quando a perita passa da interação para a fase do relato em si. No entanto, ela tem o cuidado para que essa transição não seja abrupta. “A gente faz um treino de memória episódica. A gente pergunta tudo o que ela fez hoje, para ela detalhar ao máximo, do momento em que ela acordou, até quando ela chegou a audiência para que ela relate em detalhes o máximo de informações que ela lembrar. E é uma forma de a gente avaliar a memória dessa criança, o quão preservada é essa memória e quanto de detalhe ela consegue lembrar”, explica. O cuidado desse momento, argumenta a perita, é o de não introduzir na conversa elementos dos quais a criança ainda não falou. “A revelação tem que ser espontânea”, afirma. “Se ela não traz o relato da violência, não podemos induzir nem trazer informações externas que a criança não falou. Se ela começar a narrar espontaneamente a violência, a gente não interrompe, não faz perguntas no meio. Ao final, quando ela fala tudo, a gente faz as perguntas fechadas”, expõe, afirmando que, quando a criança é muito pequena, por exemplo, é comum dar a ela desenhos para pintar ou brinquedos para ela manusear. Após essa etapa, o depoimento especial é finalizado e abre a sala de audiência. Advogado, promotor ou magistrado pode fazer perguntas, que não serão direcionadas diretamente à criança. Eles repassam para a entrevistadora, quando as perguntas são deferidas pelo juiz. “Eu me retiro da sala, anoto as perguntas que os advogados e os juízes tenham e tento fazer essas perguntas da forma mais leve possível. Nem todas as perguntas são deferidas pelo juiz. Há perguntas que são constrangedoras, revitimizantes, e aí não é permitido, e o juiz tem uma consciência muito boa em relação a isso”, afirma.

ATENDIMENTO

De janeiro a junho de 2022, 278 crianças e adolescentes procuraram a Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (RAVVS), da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau), para receber atendimentos após sofrerem estupro de vulnerável. Pessoas até 17 anos de idade formam a maioria das vítimas de crimes sexuais no Estado. Somente em 2021, segundo a rede, o local recebeu 299 crianças de até 11 anos e 277 pessoas de 12 a 17 anos, totalizando o acolhimento de 576 vítimas de estupro de vulneráveis. Conforme a Lei 12.015, o estupro de vulnerável é assim identificado quando realizado em crianças e adolescentes com até 14 anos. O dispositivo torna a penalidade para esses crimes mais rígida em relação à violência sexual contra a população a partir dos 15 anos. A lei considera, dessa forma, que o abusador de vulneráveis pode pegar entre 8 e 15 anos de reclusão. Para a população a partir dos 18 anos, a pena gira em torno de 6 a 10 anos. Já para os adolescentes de 15 a 17 anos, o criminoso pode ficar preso de 8 a 12 anos. O dispositivo para estupro de vulnerável ainda pode trazer condenações acima de 15 anos, se a violência sexual resultar em morte - pode chegar a 30 anos de prisão - ou se resultar em lesão corporal de natureza grave - até 20 anos de reclusão.

Mais matérias desta edição