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Nº 5851
Degradação

EXTRAÇÃO DE AREIA PARA PREENCHER MINAS É NOVA AMEAÇA AO MEIO AMBIENTE

Material sai de municípios como Feliz Deserto, deixando “açudes” do tamanho de piscinas olímpicas

Por Josué Seixas | Edição do dia 06/07/2024

Matéria atualizada em 06/07/2024 às 04h00

A areia se apinhava aos montes, desnudando longos açudes do tamanho de uma piscina olímpica. As máquinas pararam somente no horário de almoço, mas seguiram noite adentro, como fazem todos os dias há alguns meses.

Esse material sai de Feliz Deserto e é transportado em caminhões para Maceió por meio de uma empresa terceirizada da petroquímica Braskem, que usa a areia para preencher as cavidades das quais foi extraído o sal-gema. O cenário se repete nos municípios de Marechal Deodoro, Barra de São Miguel e Satuba. Não há nenhuma definição sobre o que será feito dos terrenos após a exploração.

A incerteza que assombra os cinco bairros afetados, com mais de 60 mil pessoas evacuadas, é levada para as áreas que são exploradas para tamponar as cavas localizadas em Maceió.

Somente durante a viagem da Gazeta de Alagoas, quatro caçambas cortaram as ruas cheias de areia. No dia 28, uma delas se chocou com um micro-ônibus de turismo no povoado Poxim, em Coruripe, e o acidente resultou em uma pessoa morta e 17 feridos.

A cinco quilômetros de Feliz Deserto, o primeiro sítio de escavação estava desativado, com algumas máquinas dentro e um tapume que ocultava parte da desolação. A autorização do Instituto do Meio Ambiente (IMA) estava à mostra, chancelando a retirada da areia.

No outro ponto, a aproximadamente um quilômetro da entrada do município, as escavações seguiam em diversos pontos — próximo à beira da pista e também mais para dentro. O aviso estampava: “Propriedade privada. Não invadir”.

Para especialistas, o crime ambiental somente mudou de lugar: dos bairros atingidos em Maceió aos outros municípios de Alagoas, até mesmo atingindo áreas de preservação.

“É exatamente isso, há um padrão no comportamento da Braskem: retirar sedimento de onde chamar menos atenção para não ter o custo de fazer o desassoreamento da Laguna Mundaú nem de ter que beneficiar o material de demolição dos bairros afetados. É mais barato cavar areia em terra firme”, critica o biólogo Marcos Bonfim da Silva.

As consequências são muitas, como a perda da biodiversidade local, uma vez que mamíferos e aves migratórias perdem seus pontos de apoio, assim como abelhas não conseguem mais fazer a recarga de pólen e de mel.

“Os lagos que se formam com essa retirada de areia pode servir de criatório para mosquitos vetores de doenças como dengue, chikungunya e leishmaniose. Como a cidade fica abaixo do nível da rodovia, caso aconteça rompimento de contenção do lago, pode invadir as partes baixas da cidade de Feliz Deserto. O município de Feliz Deserto está inserido em duas Áreas de Preservação Permanente (APA), a de Piaçabuçu e a da Marituba”, analisa a bióloga Neirevane Nunes.

Na cidade, os relatos dos moradores eram semelhantes: as máquinas trabalhavam dia e noite, aumentando a retirada de areia aos montes, com caçambas cheias trafegando pela estrada. Um trabalho ininterrupto, segundo eles.

À Gazeta, um homem que preferiu não se identificar disse que seu maior medo era na época de chuvas, já que o município tende a sofrer com enchentes. Ele afirmou que a venda de terras à beira da estrada é um mercado aquecido na região. Na visita da reportagem, diversas placas de ‘vende-se áreas próximas à praia’ estavam à mostra, além da promessa de um residencial de luxo.

Em outros municípios, como Marechal Deodoro, a extração é mais antiga. Em janeiro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) conseguiu uma liminar para paralisar a extração de areia ao suspender as licenças concedidas pelo IMA e pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

“No Francês, tinha espécie de serpentes ameaças de extinção no espaço em que foi retirada a areia. Perdemos. Quando se tira aquela areia dali, não só prejudica as espécies que são residentes dali. A avaliação do IMA não é criteriosa. Temos vários empreendimentos de Maceió a Maragogi pelo litoral. As implicações são enormes. Já temos um prejuízo grande demais, a um nível irrecuperável a curto prazo”, explica o biólogo Ubiratan Gonçalves.

LICENÇAS

Questionado pela Gazeta de Alagoas, o IMA afirmou, por meio de nota, que não pode gerir a compra e a venda desses empreendimentos.

“Existem diversos empreendimentos licenciados para a extração de areia em Alagoas. Não cabe ao IMA a responsabilidade para gerir a compra e venda desses empreendimentos. Vale ressaltar que a Braskem não possui licença para exploração de areia. Todo bem mineral utilizado no descomissionamento das minas é advindo de empresas terceiras”, afirmou o órgão.

Questionada pela reportagem, a Braskem não entrou em detalhes sobre as operações e sobre o que será feito nos locais após a extração de areia.

“A Braskem reitera que a areia adquirida junto a fornecedores para o preenchimento de cavidades é proveniente de jazidas devidamente licenciadas pelos órgãos competentes.”

A Agência Nacional de Mineração não respondeu sobre o caso de Alagoas, apenas em relação aos documentos necessários para conseguir o registro de licença.

“A ANM outorga o Requerimento de Registro de Licença (para extração de areia, argila, saibro, brita) após o requerente apresentar os seguintes documentos: autorização do proprietário do solo (exceto se for em leito de rio); licença específica da prefeitura; ART (anotação de responsável técnico) de profissional, legalmente, habilitado; licença ambiental operacional, emitida pelo órgão competente; entre outros.”

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